OS ITALIANOS E A ÁGUA
* crônicas poçõenses *
Em Poções, até o final de 1950 não havia água encanada. A cidade era abastecida pelos aguadeiros, que traziam a água em carotes, no lombo de jumentos. Quatro carotes faziam uma carga e era comum vê-los passar pelas ruas. As casas tinham sempre uma entrada de serviço, para este fim, com uma argola no muro, para amarrar os animais.
Os carotes – barris de madeira –
com capacidade em torno de
A água de uso comum vinha do açude do rio São José, mais perto da cidade. Os aguadeiros tinham sempre de subir uma escada para despejar a água no tanque da casa, onde também havia pedras de enxofre.
Tempos depois meu pai mandou instalar uma bomba manual em um pequeno tanque ao nível do chão, onde o aguadeiro ia despejando os seus carotes e a nós, meninos, cabia a tarefa de acionar a bomba, jogando a água no reservatório superior !
Outra fonte de água era a chuva. Em nossa casa havia um enorme tanque – parte subterrâneo, parte externo – que acumulava a água de chuva. Quando meu pai estava na Casa Sarno e começava a chover ele ia para casa e manobrava as calhas para que a primeira chuvada- ou “apaga pó”, como é apropriadamente chamada em algumas regiões da Bahia - servisse apenas para limpar as telhas, e logo em seguida a água era canalizada para o reservatório. Fazer calhas e bicas era um trabalho artesanal, feitas sob medida com folhas-de-flandres pelos funileiros locais, como Deco Lago e Flávio Funileiro.
Mais acima, ainda na Rua da Itália, Luis Sarno, com o terreno da casa em declive, fazia malabarismos mecânicos para coletar e distribuir a água na casa, para uso da família e do seu lazer predileto: cuidar das plantas e árvores frutíferas.
A água da cisterna era retirada com roldana, e era uma arte encher o balde de água, lá em baixo, na ponta da corda. Depois foi colocada uma bomba manual. Mas a água era “pesada”, um pouco salobra, não se prestando para o uso doméstico. Ela era então despejada em um grande tambor forrado de cimento, que ficava no meio do jardim, e servia para regar as plantas.
O fogão já vinha equipado com um recipiente esmaltado embutido, que também aquecia a água para o preparo da comida, pois não se usava jogar água fria nas panelas. Minha mãe também conservava uma chaleira com água aquecida, em cima da chapa do fogão, para qualquer eventualidade, como era usual na época.
Esta dependência do trabalho dos aguadeiros durou até que foi inaugurada a água encanada, vinda da barragem de Morrinhos, no rio das Mulheres, distante cerca de doze quilômetros, já perto da Serra da Ouricana. Quando abriram o registro, a comitiva de autoridades veio em disparada para Poções, para abrir a primeira torneira que jorraria a água encanada!
Sem as valas ele voltou ao seu habitual meio de transporte após “comer água”: um birimbano (molecote, na gíria local) o levava até em casa em um carrinho de mão!
Já nos tempos da água encanada encontramos Joaquim, velho aguadeiro de mãos calosas, que comentava saudoso e orgulhoso:
“-Já botei muita água na casa de seu Corinto Sarno e de seu Antonio Leto ! “
Eduardo Sarno
11.07.08