15 março 2024

 

A  BARBA

* crônicas poçõenses *

 Meu pai tinha uma caixa de madeira, onde ele guardava os apetrechos para fazer a barba. Era na pia da ampla copa, na nossa casa em Poções, que ele se barbeava. A caixa era colocada sobre a mesa, de onde ele tirava o pincel, um pequeno vasilhame de metal, e o pote com a loção Bozzano, para a espuma. Branca e consistente, a espuma era feita no vasilhame e espalhada no rosto. Por vezes, nas férias, as netas pequenas se assustavam, mas depois se acostumavam. Meu pai sempre fazia uma careta para elas.

A navalha era de aço alemão, Solingen, da cidade do mesmo nome. Era amolada, meticulosamente, em um pedaço de madeira macia, com o uso de fino pó de esmeril. Com gestos firmes e precisos, meu pai passava a navalha no rosto, raspando e escanhoando a barba. Fazia movimentos com o queixo, para adaptar melhor a lâmina  à ação.

Depois de lavar o rosto, enxaguava com água velva Bozzano. O perfume e o frescor eram sentidos de longe.

Depois todos os objetos eram limpos e guardados, e a caixa fechada. Meu pai sentia prazer neste ritual meticuloso , que lhe deixava renovado.

Tempos depois descobri que, não só ele, mas outros italianos, como Brás Labanca, possuíam caixas iguais.

Naquela época, década de 50, não se usava barba. No máximo, um bigode. Na nossa família o comum era não ter nem bigode. Como rito de iniciação da puberdade, fazer a barba era um ato de afirmação masculina.

Meu primeiro barbeador foi de metal. A parte frontal se abria, para que a lâmina de barbear fosse colocada. Lâmina que, evidentemente, era chamada de "gilete" , em uma simbiose de inventor, fabricante e produto. Da nossa geração, ninguém se aventurou a manipular uma navalha. Eventualmente alguns tiveram o prazer de uma barba a navalha, mas só no seu Hermes, o barbeiro.

Certa ocasião surgiu um amolador de "gilete", muito eficiente. Era uma pequena caixa plástica, onde se colocava a lâmina, e fazia-se um movimento de ir e vir, com um cordão adaptado à caixinha.

Anos depois, devido a circunstâncias, eu tinha a lâmina, mas não tinha o aparelho. Adaptei então um toco de lápis, que prendia a lâmina, e passei a fazer uso frequente deste improvisado aparelho.

Quando surgiu o aparelho com duas lâminas - tchan , tchan, tchan - eu achei que seria prático o seu uso, mas logo me decepcionei : as duas lâminas serviam para entupir , com a espuma e os pelos da barba.

Não cheguei nem a experimentar os aparelhos de barbear mais caros e sofisticados. Voltei fielmente ao meu velho e funcional sistema de lâmina e toco de lápis !

Eduardo Sarno

Set/201


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