18 março 2024

 

FAMILIA SARNO NA BAHIA :  OS ORRICO

 

                                                   Vicente (Orrico) Sarno

A história social e genealógica das famílias tem algumas variantes interessantes. No caso da nossa família Sarno ocorre uma variante que por vezes tem confundido antigos e novos familiares : trata-se da família Orrico Sarno.

Este tronco descende diretamente de Francesco Sarno, o conhecido tio Chico, que foi o primeiro Sarno da nossa família que veio para o Brasil.

Francesco Sarno era casado com Carmela Orrico e tiveram 4 filhos.

Um deles era  Vicente (Orrico) Sarno, que chegou ao Brasil em maio de 1925, com 15 anos e 11 meses.

Ao chegar em Poções Vicente (Orrico) Sarno  encontrou o primo Vicente Sarno, que já trabalhava no comércio local.

Para evitar futuras confusões comerciais com os nomes iguais resolveram, de comum acordo, que Vicente, filho de Francesco , assinaria Vicente Orrico Sarno, e que Vicente, filho de Fedele Sarno, continuaria como Vicente Sarno.

Como a legislação e o costume italiano não incluem o sobrenome da mãe, esta inclusão do “Orrico” ficou sendo apenas um acerto que, naquela época – estamos falando de 1925 – era possível.

Assim, a rigor, este tronco da família Sarno não possue de origem o Orrico no nome. Podem passar a tê-lo  caso seja incluído em registro aqui no Brasil.

 FAMILIA SARNO NA BAHIA :  OS ESPINHEIRAS

                                                         Tuna , Gey e Ruy Filho


 Os Espinheiras possuem a mesma origem que os “Orrico”: Francesco Sarno, casado com Carmela Orrico, tiveram uma filha de nome Matilde Sarno.

Matilde casou-se com José D’Andrea ( moravam em Poções depois foram para Jequié) e tiveram uma filha chamada Iracema D’Andrea.

Se destacarmos os sobrenome ocultos ficaria  Iracema (Sarno – Orrico) D’Andrea.

Posteriormente Iracema casou-se do o Dr. Ruy Espinheira, perdendo então o D’Andrea.

O fato da mulher não transmitir o sobrenome oculta muito a descendência, e assim o Espinheira ficou prevalecendo em um tronco da família genuinamente Sarno.

Lembro quando Corinto Sarno hospedava Dr. Ruy Espinheira em nossa casa em Poções, o fazia na condição de grande amigo e esposo de Iracema, prima de Corinto.

 

 

FAMILIA SARNO EM UBERABA- MG : ANTONIO SARNO

FAMILIA SARNO EM SANTOS : AGNESE  ( SARNO ) DE FRANCO

FAMILIA SARNO EM BUENOS AIRES: FILOMENA (SARNO) BARLETTA

 

Eduardo Sarno

2009

 

FAMÍLIA & MEMÓRIA

 


Um dos aspectos destacados e analisados pelos historiadores da imigração italiana no Brasil é a predominância da imigração familiar sobre a de indivíduos solteiros.

Mesmo na maioria dos casos onde o chefe da família emigra primeiro, a intenção é quase sempre fazer vir a família para junto dele.

O trabalho na terra, seja como dono da gleba ou assalariado na colheita, sempre foi uma atividade que congrega toda a família. A terra, como unidade produtiva, permite a moradia, a produção pelo plantio, a venda e troca dos produtos, a sobrevivência e a manutenção da saúde da família.

Esta unidade familiar expande-se horizontalmente, quando membros da família adquirem mais terras, e verticalmente, quando os mais novos continuam o trabalho produtivo dos mais velhos. Por este motivo as tradições e valores culturais são mantidos por mais tempo.

Os camponeses da região do vêneto, Norte da Itália, sem acesso à terra, formaram o grande contingente de imigrantes que vieram para o interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Espírito Santo, principalmente.

O comércio, de características urbanas, também é um elemento que agrega a família. Assim como a atividade na terra, ele permite a acumulação de riqueza e bem estar para a família, recebendo para isso o concurso de todos.

Os meridionais, ou habitantes do Sul da Itália, dirigiram-se, em boa parte, para a atividade urbana e, como localização, privilegiaram o Nordeste e o Norte do Brasil.

Com a família Sarno não se passou de modo diferente. O primeiro Sarno imigrante trouxe parte da família, e os outros dois seguintes vieram solteiros.

Vencendo as dificuldades da distância, da guerra e da luta pela sobrevivência, todos os sete irmãos constituíram família e moravam próximos.

Centrados na atividade comercial comum, eles estreitavam estes laços familiares pelo compadrio, solidariedade e nas atividades sociais e culturais.

A ligação com os remanescentes da família que ficaram na Itália era grande, através de cartas, encomendas, mensagens, fotografias e eventuais visitas.

A partir da dissolução da Casa Sarno, esta unidade e convivência foi-se desagregando, seja por mudança de moradia, falecimento ou principalmente pela nova atividade da geração seguinte: profissionais liberais, na sua maioria.

A atividade profissional liberal, do pequeno comércio ou do emprego público e privado levou esta nova geração a ser auto-suficiente, a não precisar depender do circulo familiar mais amplo, pois bastava o auxilio da família mais próxima, de pais e irmãos.

Esta distância aumenta na medida em que a família cresce e agrega-se a ela novas famílias através dos casamentos. O processo acelerado de urbanização não permite mais que algumas famílias morem no mesmo bairro ou prédio, como aconteceu na Av. Araújo Pinho, onde chegaram a morar 6 famílias aparentadas e 2 de patrícios.

A antiga solidariedade familiar, sólida e eficiente, fica então reduzida a uma troca de favores entre profissionais, pedidos de desconto, de bolsas de estudo, de indicação para emprego e coisas do gênero.

A fala do belo dialeto mormanolo, suas canções e seus ditados ficam perdidos, pendentes apenas na lembrança de alguns. Os objetos vão-se perdendo, cartas e fotografias muitas vezes são destruídas ou descuidadas, devido ao desinteresse pela memória.

É até contraditório que em uma época de tantos recursos tecnológicos para reproduzir, informar, pesquisar, esta questão do resgate da memória não esteja na ordem do dia.

Para que haja interesse não se pede nem mesmo que se tenha cultura, visão histórica, basta que haja  curiosidade, emoção e respeito pelos nossos antepassados.

A recente possibilidade legal da dupla cidadania despertou uma espécie de volta às origens, mas com um objetivo absolutamente pragmático: obter a certidão de nascimento do antepassado.

Assim, o movimento no tempo, nos distanciando de nossas origens, e o movimento no espaço, onde nos distanciamos entre nós, leva a que sejamos uma família que se encontra anualmente para comer e eventualmente para enterrar seus mortos.

Abril/2010

Eduardo Sarno

 

                     OS ITALIANOS E O CINEMA NA BAHIA

                                        Geraldo Sarno e foto dos pais

        A característica urbana da imigração italiana na Bahia fez com que aqui se domiciliassem muitos trabalhadores autônomos, entre eles técnicos em galvanoplastia, em eletricidade, decoradores, pintores e artes metalúrgicas diversas.

       A passagem por Salvador de várias companhias teatrais, inclusive a Companhia Lyrico-Comica Italiana, de Boldrini & Milone, que inaugurou em 23 de maio de 1886 o Polyteama Baiano, em sua nova fase, contribuiu certamente para que técnicos a artesãos tivessem contato com as necessidades e oportunidades locais na área artística.

       Por razões geopolíticas, principalmente a carência de recursos naturais e a necessidade de industrialização, a Itália sempre teve grandes cientistas que se dedicaram às pesquisas químicas e físicas no setor da eletricidade. Desde o século XVIII, com Luigi Galvani e o conde Alessandro Volta, continuando no século XIX com Calzecchi-Onesti e Augusto Righi e, já no século XX com Gugliemo Marconi, tiveram sempre uma familiaridade com uma tecnologia que estaria depois vinculada ao cinema.

       Segundo Sílio Boccanera, cronista baiano da década de 20, foi o italiano Nicola Parente quem inaugurou, em 1898, o primeiro cinema na Bahia, chamado Cinema Lumiére. Funcionava na rua Carlos Gomes, número 26, onde posteriormente se estabeleceu a pensão Norte Americana. O nome foi uma homenagem aos irmãos Lumiére que, em 1895, construíram o cinematógrafo e apresentaram o primeiro filme em Paris. Parente foi o primeiro a utilizar, aqui na Bahia, a luz oxyetérica.

       Cronologicamente correta, a programação do Cinema Lumiére anunciava como a “última maravilha do século XIX”! Além da apresentação inicial do “sempre apreciável trajecto do cortejo da Rainha Victória”, eram oferecidas “novas e interessantes scénas”: “Um corsel manhoso - Desfilada de um regimento turco para a guerra da Grécia - Uma ponte em construcção - Engraçada dança por uma egypsia, num hotel (Egypto) - Grande cortejo de cavalheiros germânos - Os surpreeendentes banhos de alvorada, em Milão - A chegada do trem”.

      Com 200 cadeiras e cobrando dois mil réis por ingresso, este cinema teve um “êxito extraordinário” durante três meses, onde os espectadores assistiam cenas esporádicas, precursoras do moderno filme de enredo.

       Sílio Boccanera, que nos deixou estas informações, ele também descendente de italianos, reconhece que a primeira exibição cinematográfica aconteceu em 4 de dezembro de 1897, no Polytheama, organizada pelo senhor Dionísio Costa. Mas, “fosse defeito do aparelho, ou imperícia do operador, o fato é que esse cinema não agradou absolutamente ao público, e só fez a sua estréia”.

       No ano seguinte, 1899, foi a vez do Teatro São João passar a ter um cinematógrafo. Era de um italiano, que Boccanera não nos deixou o nome. Por pouco, um princípio de incêndio não devorou todo o edifício e o italiano mudou-se com o seu cinema para a cidade de Alagoinhas.

       Em março de 1907 foi inaugurado o Cinema dos Salesianos, ordem religiosa fundada por São João Bosco, no ano de 1859, na Itália. Funcionava nos “feriados nacionais de gala ou dias festivos do estabelecimento”.

       O Bijou-Theatro-Cinema, inaugurado em 20 de agosto de 1910, na Calçada do Bonfim, era de propriedade do italiano Umberto Marchesini. Com lotação de 300 cadeiras, funcionava no edifício Miramar, próximo à estação da Estrada de Ferro. Em 1911, também na Calçada do Bonfim, funcionou o Recreio Fratelli Vita, pertencente à fábrica de gasosas dos irmãos Vita. O seu gerente era o senhor Domingos Papaléo. Entre 1911 e 1912, funcionou o cinema Rio Branco, na rua do Saldanha, número 2, de propriedade de Gazineu & Araújo.

       A inauguração, em 24 de dezembro de 1919, do Kursaal Bahiano (atual Cine Glauber Rocha, antigo Cine Guarany) foi significativa para a participação italiana na história do cinema da Bahia. Projetado e construído pelo notável engenheiro Felinto Santoro, nas difíceis condições de pós-guerra, incluía, além de todas as acomodações necessárias para um cine-teatro de categoria, quiosque, bar, jardim e a balaustrada em torno da praça Castro Alves.

       A fachada, de bom gosto e rara beleza, era ornamentada por duas esculturas de dançarinas do escultor francês Guérin, tendo ao fundo a figura de um pavão com seu colorido variando do azul intenso ao amarelo ouro. Nas laterais dessa fachada, havia a máscara da comédia e da tragédia, ambas de autoria do mesmo escultor.

       Curiosamente, em uma foto de 1919, o título do filme anunciado no Kursaal Bahiano era “Redempção”, o mesmo título do primeiro filme baiano de longa metragem, de Roberto Pires, que estreou em fins da década de 50, no Cine Guarany, quando se inaugurou uma placa alusiva ao acontecimento.

       O nome “Kursaal”, do alemão pouco usual, traduz-se por “sala de espetáculos”. A mudança do nome para Cine Guarany é detalhadamente narrada no emocionante livro “Um cinema chamado saudade”, de Geraldo Costa Leal e Luis Leal Filho.

       Felinto Santoro, consagrado engenheiro e arquiteto napolitano, com obras realizadas em Manaus, Belém, Vitória e Rio de Janeiro, além de ter projetado e construído em Salvador o Mercado Modelo e o quartel do Corpo de Bombeiros, entre outras obras, participou também de um concurso promovido pelo governo do estado, em 1920,  para selecionar o melhor projeto para reforma do Teatro São João. A Comissão Julgadora classificou o trabalho de Santoro em 1º lugar, mas, por motivos diversos, a reforma não foi levada adiante. Em 1923, as chamas destruíram o teatro.

       A 5 de novembro de 1928, com a presença de Mussolini, instalava-se em Roma o “Instituto Internacional de Cinematografia Educativa”, sob os auspícios do governo italiano e da Sociedade das Nações (atual Organização das Nações Unidas- ONU). A Itália, em geral, e também o fascismo sempre estimularam a atividade cinematográfica.

       Imigrantes italianos na Bahia, mesmo sem os propósitos doutrinários, desenvolveram esta emulação cultural e, já nos anos 30, o italiano Bráz Labanca era proprietário da Empresa de Luz Elétrica Pública e Particular de Poções e, na década seguinte, do Cine Poções, que anos depois com o nome de Cine Teatro Santo Antonio, pertenceu a Fidélis Sarno. Na cidade vizinha de Jequié, na década de 20 o italiano André Leto, de Trecchina, além das atividades comerciais e do fabrico de gasosa, teve um dos  primeiros cinema da cidade - o Cine Teatro Jequié. Já em Itabuna, na região do cacau, o italiano Giuseppe Larocca, manteve em funcionamento um cinema na cidade, nessa época.

       Geraldo e Luis Leal, no livro já citado, fazem referências a três cinemas pertencentes a italianos: o Cinema Calçada, inaugurado em 1927, e depois mudado para Cinema Império, em 1932, cujo proprietário era Salvador Fatescha. O Cinema Pathé, inaugurado em 1928, por Humberto Forccuci, e o Cinema Liberdade, na Estrada da Liberdade, que entre 1940 a 1947 pertenceu a Angelo Larocca.

       Na atualidade, destacando-se como cineastas, os descendentes de italiano Geraldo Sarno e Tuna (Sarno D’Andrea) Espinheira contribuem com uma extensa filmografia, basicamente nordestina e baiana .

 Eduardo Sarno

Dezembro/1997

        Bibliografia

Boccanera Júnior, Sílio - Os cinemas na Bahia - 1897/1918. Resenha

                                               Histórica. Tip. Bahiana, de Cincinnato 

                                               Melchiades. Bahia. 1919.

Leal, Geraldo da Costa e Luis Leal Filho - Um cinema chamado saudade

                                               Bahia. 1997.

Associazone Nazionale Ingegneri ed Architetti Italiani - L’Opera Dell’ingº-

                                               Felinto Santoro al Brasile. T.E.M.A. - Napoli

                                               1923.

Revista do Cinema Educativo - Anno 2 - nº 2 - Rio de Janeiro - Maio de

                                               1923.                                                                                                

 

 

 

BRINQUEDOS FÍSICO-QUÍMICO-BIOLÓGICOS DA INFÂNCIA

* crônicas poçõenses *



Além das brincadeiras mais comuns, tínhamos, em Poções, algumas formas de diversão que implicavam um certo conhecimento, que eram adquiridos nos livros, revistas ou na experiência de outro menino.

Uma delas era a brincadeira com pólvora, cuja fórmula básica tinhamos aprendido, e não era dificil conseguir os ingredientes na venda de Dahil. Feita a pólvora, o grande pilão de madeira que tinha em nossa casa servia para os nossos objetivos, que era fazer, com um prego bem grosso, um buraco no pilão e encher de pólvora. Depois, o mesmo prego era colocado no buraco e batia-se nele com um martelo. A explosão era imediata.

As baterias velhas serviam para serem desmontadas, e nos forneciam as placas de chumbo, que em seguida eram postas no fogo, e derretiam. As fôrmas, preparadas com barro, serviam como recipentes para a depuração e resfriamento. A criatividade é que decidia qual a forma que o chumbo derretido iria tomar.

Alguns remédios, como colirio, dependiam de conta-gotas para seu uso. E estes eram de vidro, com a bombinha de borracha. Esquentar o vidro na chama de uma vela, dando formas distorcidas, era uma diversão. Depois, com fogo mais intenso , o resultado era pequenas bolas de vidro, às vezes um pouco quebradiças.

A hélice voadora era feita a partir de uma lata de sardinha. A tampa permitia recortar, com mais facilidade, a forma de uma hélice. Dois furos eram feitos no centro, que se acomodavam a dois pregos sem cabeça, fixados em um carretel de madeira de linha de costura. O carretel era colocado em uma haste, e um cordão enrolado nele permitia, quando desenrolado rápidamente, fazer com que a hélice voasse. Era nosso simulacro de helicóptero.

O barco a vapor era feito com um sistema de tampa de garrafa, onde era colocado álcool, e uma serpentina de metal simples, tudo isso acoplado a um pequeno barco de madeira. Ao colocar fogo no álcool, a água transformada em vapor, ou mesmo aquecida, fazia o barco se deslocar.

As brincadeiras biológicas eram mais agressivas, e o relato delas não significa o endosso atual das mesmas.

A tanajura, com sua grande bunda, servia para ser espetada, o que motivava o bater frenético das asas.

O sapo, à noite, com o corpo encharcado de álcool, e pulando em chamas, era um espetáculo sádico inominável. Mas nós não sabíamos disso.

Os filhotes de sapo – girinos- que nós chamávamos de 'magasapos', eram recolhidos no pequeno riacho nos fundos da casa de Ruy Espinheira, e cozidos barbára e inultilmente em um velho tacho.

Aa borboletas e mariposas eram pregadas, com alfinete, em pedaços de papelão.

Os besouros, principalmente os grande e de chifres, era guardados em latas de metal, bem fechadas. Os besouros pequenos, coloridos, eram colocados em caixas de papelão.

Alguns pássaros, depois de abatidos a badocadas, eram dissecado com lâmina de barbear, a "gilete".

O cágado tinha uma pequena haste amarrada em seu casco, e na ponta, um pedaço de alface. Caminhava o dia todo, mas não alcançava o seu jantar.

Mas, à noite, todos dormiam tranquilos, naquele tempo não havia culpa.

Eduardo Sarno

Maio/2016


 

VARANDAS

* crônicas poçõenses *




Remanescentes de uma arquitetura colonial interiorana, as casas em Poções tinham as fachadas limítrofes aos passeios. Era uma barreira real, com porta e janelas, separando o público e o privado. A menor ou maior simplicidade e decoração construtiva da fachada destacavam a posição social do morador. O desenho urbano da cidade também participava desta qualificação , distribuindo as casas mais simples pela periferia e as mais amplas no centro.

As janelas nem sempre ficavam abertas, pois o interior das casas não devia ser visto. A aeração era feita pelos fundos, na sequencia copa, cozinha, despensa, jardim e/ou quintal.

As janelas da frente normalmente se situavam em sala de visita, quarto do casal ou gabinete. Sendo assim, eram abertas apenas quando os moradores queiram ver o que se passava na rua.

A porta principal, direta no limite do passeio, dava entrada a um vestíbulo, que por vezes ainda possuía uma segunda porta, mais leve, com intenções de preservação da intimidade doméstica.

Assim, o ritual das presenças e movimentos situava a mulher e as filhas na sala, copa e cozinha. Os filhos brincando no quintal ou na rua. E o homem saindo para o trabalho tinha no ato de fechar a porta o sinal de segurança da família.

Principalmente no verão, mas também em domingos e feriados, as pessoas colocavam cadeiras nos passeios e prosavam. As mulheres também se encontravam, e a ida e volta da missa era sempre uma ocasião propícia. Os meninos continuavam donos da rua e dos quintais. Na frente da casa, as cadeirinhas enfileiradas eram usadas pelas crianças, banhadas e penteadas.


Na década de 30, do século XX, começa a surgir o estilo construtivo que se denominou “bungalow”, ou bangalô em português, nome de origem indiana. Em Poções eram chamadas de “estilo moderno” , com linhas retas e recursos de concreto, que não existiam nas antigas casas.

É o inicio das varandas. Mas neste estilo moderno as casas são recuadas e com elas as varandas. Assim, a comunicação se estabelece com visitantes mais familiares, que já adentraram o espaço da casa através da grade do jardim, esta sim no limite do passeio.

Na Praça do Obelisco, a casa do Dr. Antonio Carlos era deste tipo. Ao lado, a casa das Mascarenhas era do estilo antigo, mas já com varanda direta para a rua. Mais adiante, a casa de Argemiro Pinheiro permanece com o estilo antigo, de porta e janelas, sem varanda.

A varanda, portanto, já se institui nas décadas 40 e 50, quando Poções já tem um comércio mais estruturado, ruas que começam a serem pavimentadas com paralelepípedos, cidadãos que já se encontram no Clube Social União das Classes, uma festa do Divino mais abrangente e uma juventude que já começa a ir estudar em Jequié e Salvador. Esta, sem dúvida, a principal frequentadora e animadora das varandas.


Com a varanda, uma nova era de sociabilidade se abre. As pessoas veem e são vistas. Cumprimentam “en passant” as pessoas de conhecimento mais afastado, e prosam mais demoradamente com as pessoas mais conhecidas. Comunicam e ficam sabendo das novidades. Cada um, homem, mulher e menino, à sua hora e à sua maneira usam a varanda.

De dia ou de noite, na semana ou no domingo, no dia comum ou de festas, a varanda é sempre o elo de ligação da casa com a rua.

A varanda permitia, portando, uma maior proximidade sem, contudo invadir a privacidade.

O cerimonial era portanto, de acordo com o relacionamento. A conversa passeio-varanda era com conhecidos em geral. Na varanda propriamente só com pessoas mais chegadas. Na sequencia usava-se a sala de visita para uma recepção mais cerimoniosa e finalmente na sala de jantar ou copa para familiares e amigos próximos. E, para ficar completa a descrição, o quarto de dormir, se fosse hóspede. Em uma época sem hotéis e com pensões razoáveis era comum a prática da hospedagem, seja de familiares, amigos ou mesmo padres pregadores, como foi o caso de D. Crisóstomo, beneditino.

Na rua da Itália quase todos se dispuseram a sacrificar uma parte de um dos cômodos para construir uma varanda. Só a casa de Miguel Lopes permaneceu sem varanda.

Em nossa casa tinha uma varanda grande, com dois parapeitos e entre eles uma coluna redonda, que chamávamos de “vovô”. As cadeiras de ferro e uma decoração simples completavam a varanda. Na nossa tinha uns patos de cerâmica na parede, que foram levados pelo filho da lavadeira. Ela, entre triste mas orgulhosa, fez questão de devolver, se desculpar e repreender o filho.


O coronel Alberto Lopes com sua família, quando de passagem para sua fazenda na Mata, era hóspede de nossa casa e frequentador da nossa varanda. Uma das vantagens era que, os conhecidos quando passavam e o viam sempre adentravam para um dedo de prosa e dois dedos de Martini.

À noite era o cerimonial dos tios. Meu pai, após o jantar saia com minha mãe para andar no passeio, em frente à varanda da minha casa e da de Antônio Leto. Da varanda da sua casa, Américo Libonati, via e vinha. Luís Sarno, mais acima, também ia descendo, sempre com o palito na boca, que não tirava nem para falar. Fidélis de Boa Nova, primo, também se chegava, com o cigarro no lugar do palito. Tio Emílio bastava subir um pouco a rua e já estava com o grupo. Em geral usavam chapéu de massa, pois temiam o sereno. Tio Luiz sempre foi usuário de um boné.

Conversavam sobre as novidades sociais, políticas e comerciais, principalmente o mercado do café.

Debruçados na balaustrada da varanda, Aninna e os filhos a tudo ouviam.

Vindos de Mormanno, pequena cidade no Sul da Itália, onde as ruas estreitas mal permitiam sacadas e o frio exigia janelas duplas e fechadas, estar ali, prosando sob um amplo hemisfério cheio de estrelas, tendo uma larga visão, mesmo urbana, era um prazer que desfrutavam sempre que podiam, sabendo que aquilo fazia parte da compensação por terem partido.

E assim o papo prosseguia, poliglótico, ora em português, ora em mormanolo, ora em italiano e por vezes a palavra usada não existia, era pura invenção deles...!!!

Eduardo Sarno

Out/2012

 

O  LIXO    DE  CASA...  NO SÉCULO  PASSADO

* crônicas poçõenses *

 


A casa a que me refiro, ou em epígrafe, se preferem, é a casa de meu pai, Corinto Sarno, em Poções , interior da Bahia, nos idos de 1950.

Alguns livros de memórias possuem títulos sugestivos, ou alusões a “parece que foi ontem", ou, como publicou meu irmão Pedro Sarno “Foi tudo tão de repente...”, que decidi também incluir a indicação de que se trata de um lixo do século passado.

Um fato que me marcou ocorreu em alguma data da década de 60, quando minha irmã Noemia – ela nega e não se lembra – tentou passar ferro em um saco plástico que embalava a camisa Ban-Lon, as primeiras de fibra sintética.

Com este fato história do nosso lixo situa-se antes e depois do  saco plástico, que passou a ser conhecido e utilizado naquela década.

Nossa casa tinha mil metros quadrados, ficava de esquina com a Rua da Itália e o Beco do Cine Glória. Esta dimensão permitia que a casa tivesse sete quartos, um quintal de cima, com plantas e árvores frutíferas e um quintal de baixo, com galinhas e mais árvores frutíferas. Tinha também um depósito de lenha e carvão.

No fundo do quintal de baixo, em um dos cantos, à sombra de um grande coqueiro, ficava o monturo, o lugar onde se jogava o lixo.

A cozinha, com sua produção de cascas e restos orgânicos em geral era a principal fornecedora do monturo. As galinhas eram as clientes. Apesar de serem alimentadas com milho diariamente, as galinhas ciscavam continuamente não só o lixo, mas todo o quintal, que ficava igual a um terreiro.

Dependendo do tipo de resto orgânico, ele ia para os porcos, que tinham um cercado próprio. Pelancas e ossos iam engrossar a comida do cachorro, no caso o feroz pastor da Casa Sarno.

O sanitário produzia um lixo reduzido, de papéis higiênicos, que eram incinerados no monturo, sem maiores problemas.

Grãos, farinha, açúcar, sal e outros eram comprados em embalagens de papel. Na Casa Sarno tinha uma seção de secos e molhados, onde o produto era pesado já com o papel, que depois era destramente fechado, ficando o embrulho parecido com um grande pastel. O saco de papel, mais prático, só aparece algum tempo depois.

As latas de biscoito, banha, manteiga e outros eram reutilizadas para guardar mantimentos ou como utensílios de cozinha. As latas pequenas, nas mãos de artesãos, transformavam-se em lamparinas e outros artefatos.

A cabaça, inteira, comprida e com um furo era usada para bater leite e fazer queijo ou ricota. Pequena e cortada ao meio servia para tirar água do pote.

A bucha, uma cucurbitácea, depois de seca e retirada a fina casca, servia para a limpeza das panelas, juntamente com a fina areia, que vinha do caminho do açude velho. Assim, eram as panelas areadas. A bucha, para a higiene corporal no banho, ainda hoje é encontrada.

O leite chegava da fazenda em grandes latões, não necessitando de embalagem própria.

A borra do café coado servia de adubo, e do fogão à lenha se retirava a brasa que era usada para aquecer o ferro de passar, e a cinza para fazer sabão.

Os objetos em geral eram feitos de madeira, alumínio, cobre, chumbo, latão, ferro fundido e metal zincado, todos de fácil conserto e reparo.

 As latas de querosene – usado na geladeira a gás -  eram direcionadas para o uso na construção civil.

As garrafas de vidro eram poucas, e sempre reutilizadas para licor, azeite, vinagre, etc. Para se comprar cerveja ou refrigerante era obrigatório levar garrafas iguais para troca, ou deixar uma caução em dinheiro, para receber na devolução do casco.

Mas sempre uma garrafa quebrada podia ser usada para guarnecer o alto de um muro contra visitas indesejadas.

Cordas e cordões eram feitos de croatá, ou gravatá, uma bromeliácea. Os sacos de juta, usados para ensacar café e mamona no Armazém Sarno, eram usados como panos de chão.

No quintal de cima, afora alguns canteiros de cimento, a maioria  era de caixotes de madeira, que meu pai trazia da loja, onde plantava principalmente cravos.

Periodicamente ele podava as videiras, e fazia mudas com as hastes maiores, indo a folhagem para o lixo. Era praticamente este o lixo orgânico proveniente das árvores frutíferas, não havendo necessidade de queimar nenhum resto de madeira no fogão.

Um capitulo especial era o uso que fazíamos de quase tudo para brinquedos e brincadeiras.

Nas mãos hábeis de Adilson Santos os cabos de vassoura se transformavam em perfeitos arcos, e as penas das galinhas em adornos para as flechas. As pontas ele confeccionava com  tampas de latas ou raros pedaços de vergalhão.

As velhas baterias de carro eram desmontadas e o chumbo derretido, para fazer pesos e outras formas em moldes escavados na madeira.

As cabeças de fósforo eram colocadas em um buraco em um tronco e estouradas com prego e martelo.

No quintal da casa de Miguel Lopes havia um caminhão velho que, escondido, aos poucos fomos desmontando, roubando as rolimãs para o jogo de gude e os rolamentos para fazer patinete, que tinha um suporte com o volante. As caixas de madeira da loja eram usadas para fazer carrinhos, com volante e eventual freio de pouca serventia, pois o impulso que os meninos davam ao empurrar o carrinho era desproporcional à potencia do freio e ao declive da rua da Itália.

As tampas de refrigerantes, desempenadas, serviam para um jogo em que elas eram batidas contra a parede e ficavam próximas da “ficha” do adversário. As apostas eram pagas com carteiras de cigarro vazias.

Não só o descarte das casas, mas o da cidade também era reutilizado. A borracharia fornecia material para os badoques e solado para as alpercatas que usávamos.

Qualquer aro de metal ou madeira era logo usado para diversão, adaptado a algum tipo de carrinho ou simplesmente empurrado destramente com uma haste de ferro ou madeira. Até a cera das abelhas era usada para fazer dardos emplumados.

Era assim, uma vida sem perdas nem danos. O pesadelo do carro do lixo só apareceu anos depois, quando nosso futuro foi plastificado.

 

Eduardo Sarno

Junho/2011