OS ITALIANOS E O CINEMA NA BAHIA
Geraldo Sarno e foto dos pais
A característica urbana da imigração
italiana na Bahia fez com que aqui se domiciliassem muitos trabalhadores
autônomos, entre eles técnicos em galvanoplastia, em eletricidade, decoradores,
pintores e artes metalúrgicas diversas.
A passagem por Salvador de várias
companhias teatrais, inclusive a Companhia Lyrico-Comica Italiana, de Boldrini
& Milone, que inaugurou em 23 de maio de 1886 o Polyteama Baiano, em sua
nova fase, contribuiu certamente para que técnicos a artesãos tivessem contato
com as necessidades e oportunidades locais na área artística.
Por razões geopolíticas, principalmente
a carência de recursos naturais e a necessidade de industrialização, a Itália
sempre teve grandes cientistas que se dedicaram às pesquisas químicas e físicas
no setor da eletricidade. Desde o século XVIII, com Luigi Galvani e o conde
Alessandro Volta, continuando no século XIX com Calzecchi-Onesti e Augusto
Righi e, já no século XX com Gugliemo Marconi, tiveram sempre uma familiaridade
com uma tecnologia que estaria depois vinculada ao cinema.
Segundo Sílio Boccanera, cronista baiano
da década de 20, foi o italiano Nicola Parente quem inaugurou, em 1898, o
primeiro cinema na Bahia, chamado Cinema Lumiére. Funcionava na rua Carlos
Gomes, número 26, onde posteriormente se estabeleceu a pensão Norte Americana.
O nome foi uma homenagem aos irmãos Lumiére que, em 1895, construíram o
cinematógrafo e apresentaram o primeiro filme em Paris. Parente foi o primeiro
a utilizar, aqui na Bahia, a luz oxyetérica.
Cronologicamente correta, a programação
do Cinema Lumiére anunciava como a “última maravilha do século XIX”! Além da
apresentação inicial do “sempre apreciável trajecto do cortejo da Rainha Victória”,
eram oferecidas “novas e interessantes scénas”: “Um corsel manhoso - Desfilada
de um regimento turco para a guerra da Grécia - Uma ponte em construcção -
Engraçada dança por uma egypsia, num hotel (Egypto) - Grande cortejo de
cavalheiros germânos - Os surpreeendentes banhos de alvorada, em Milão - A
chegada do trem”.
Com 200 cadeiras e cobrando dois mil réis
por ingresso, este cinema teve um “êxito extraordinário” durante três meses,
onde os espectadores assistiam cenas esporádicas, precursoras do moderno filme
de enredo.
Sílio Boccanera, que nos deixou estas
informações, ele também descendente de italianos, reconhece que a primeira
exibição cinematográfica aconteceu em 4 de dezembro de 1897, no Polytheama,
organizada pelo senhor Dionísio Costa. Mas, “fosse defeito do aparelho, ou
imperícia do operador, o fato é que esse cinema não agradou absolutamente ao
público, e só fez a sua estréia”.
No ano seguinte, 1899, foi a vez do
Teatro São João passar a ter um cinematógrafo. Era de um italiano, que
Boccanera não nos deixou o nome. Por pouco, um princípio de incêndio não
devorou todo o edifício e o italiano mudou-se com o seu cinema para a cidade de
Alagoinhas.
Em março de 1907 foi inaugurado o Cinema
dos Salesianos, ordem religiosa fundada por São João Bosco, no ano de 1859, na
Itália. Funcionava nos “feriados nacionais de gala ou dias festivos do
estabelecimento”.
O Bijou-Theatro-Cinema, inaugurado em 20
de agosto de 1910, na Calçada do Bonfim, era de propriedade do italiano Umberto
Marchesini. Com lotação de 300 cadeiras, funcionava no edifício Miramar,
próximo à estação da Estrada de Ferro. Em 1911, também na Calçada do Bonfim,
funcionou o Recreio Fratelli Vita, pertencente à fábrica de gasosas dos irmãos
Vita. O seu gerente era o senhor Domingos Papaléo. Entre 1911 e 1912, funcionou
o cinema Rio Branco, na rua do Saldanha, número 2, de propriedade de Gazineu
& Araújo.
A inauguração, em 24 de dezembro de
1919, do Kursaal Bahiano (atual Cine Glauber Rocha, antigo Cine Guarany) foi
significativa para a participação italiana na história do cinema da Bahia.
Projetado e construído pelo notável engenheiro Felinto Santoro, nas difíceis
condições de pós-guerra, incluía, além de todas as acomodações necessárias para
um cine-teatro de categoria, quiosque, bar, jardim e a balaustrada em torno da
praça Castro Alves.
A fachada, de bom gosto e rara beleza,
era ornamentada por duas esculturas de dançarinas do escultor francês Guérin,
tendo ao fundo a figura de um pavão com seu colorido variando do azul intenso
ao amarelo ouro. Nas laterais dessa fachada, havia a máscara da comédia e da
tragédia, ambas de autoria do mesmo escultor.
Curiosamente, em uma foto de 1919, o
título do filme anunciado no Kursaal Bahiano era “Redempção”, o mesmo título do
primeiro filme baiano de longa metragem, de Roberto Pires, que estreou em fins
da década de 50, no Cine Guarany, quando se inaugurou uma placa alusiva ao
acontecimento.
O nome “Kursaal”, do alemão pouco usual,
traduz-se por “sala de espetáculos”. A mudança do nome para Cine Guarany é
detalhadamente narrada no emocionante livro “Um cinema chamado saudade”, de
Geraldo Costa Leal e Luis Leal Filho.
Felinto Santoro, consagrado engenheiro e
arquiteto napolitano, com obras realizadas em Manaus, Belém, Vitória e Rio de
Janeiro, além de ter projetado e construído em Salvador o Mercado Modelo e o
quartel do Corpo de Bombeiros, entre outras obras, participou também de um
concurso promovido pelo governo do estado, em 1920, para selecionar o melhor projeto para reforma
do Teatro São João. A Comissão Julgadora classificou o trabalho de Santoro em
1º lugar, mas, por motivos diversos, a reforma não foi levada adiante. Em 1923,
as chamas destruíram o teatro.
A 5 de novembro de 1928, com a presença
de Mussolini, instalava-se em Roma o “Instituto Internacional de Cinematografia
Educativa”, sob os auspícios do governo italiano e da Sociedade das Nações
(atual Organização das Nações Unidas- ONU). A Itália, em geral, e também o fascismo
sempre estimularam a atividade cinematográfica.
Imigrantes italianos na Bahia, mesmo sem
os propósitos doutrinários, desenvolveram esta emulação cultural e, já nos anos
30, o italiano Bráz Labanca era proprietário da Empresa de Luz Elétrica Pública
e Particular de Poções e, na década seguinte, do Cine Poções, que anos depois
com o nome de Cine Teatro Santo Antonio, pertenceu a Fidélis Sarno. Na cidade
vizinha de Jequié, na década de 20 o italiano André Leto, de Trecchina, além
das atividades comerciais e do fabrico de gasosa, teve um dos primeiros cinema da cidade - o Cine Teatro
Jequié. Já em Itabuna, na região do cacau, o italiano Giuseppe Larocca, manteve
em funcionamento um cinema na cidade, nessa época.
Geraldo e Luis Leal, no livro já citado,
fazem referências a três cinemas pertencentes a italianos: o Cinema Calçada,
inaugurado em 1927, e depois mudado para Cinema Império, em 1932, cujo
proprietário era Salvador Fatescha. O Cinema Pathé, inaugurado em 1928, por
Humberto Forccuci, e o Cinema Liberdade, na Estrada da Liberdade, que entre 1940 a 1947 pertenceu a
Angelo Larocca.
Na atualidade, destacando-se como
cineastas, os descendentes de italiano Geraldo Sarno e Tuna (Sarno D’Andrea)
Espinheira contribuem com uma extensa filmografia, basicamente nordestina e
baiana .
Eduardo Sarno
Dezembro/1997
Bibliografia
Boccanera Júnior, Sílio - Os
cinemas na Bahia - 1897/1918. Resenha
Histórica. Tip. Bahiana, de Cincinnato
Melchiades.
Bahia. 1919.
Leal, Geraldo da Costa e Luis
Leal Filho - Um cinema chamado saudade
Bahia. 1997.
Associazone Nazionale Ingegneri
ed Architetti Italiani - L’Opera Dell’ingº-
Felinto Santoro al Brasile. T.E.M.A. - Napoli
1923.
Revista do Cinema Educativo -
Anno 2 - nº 2 - Rio de Janeiro - Maio de
1923.