18 março 2024

 

VARANDAS

* crônicas poçõenses *




Remanescentes de uma arquitetura colonial interiorana, as casas em Poções tinham as fachadas limítrofes aos passeios. Era uma barreira real, com porta e janelas, separando o público e o privado. A menor ou maior simplicidade e decoração construtiva da fachada destacavam a posição social do morador. O desenho urbano da cidade também participava desta qualificação , distribuindo as casas mais simples pela periferia e as mais amplas no centro.

As janelas nem sempre ficavam abertas, pois o interior das casas não devia ser visto. A aeração era feita pelos fundos, na sequencia copa, cozinha, despensa, jardim e/ou quintal.

As janelas da frente normalmente se situavam em sala de visita, quarto do casal ou gabinete. Sendo assim, eram abertas apenas quando os moradores queiram ver o que se passava na rua.

A porta principal, direta no limite do passeio, dava entrada a um vestíbulo, que por vezes ainda possuía uma segunda porta, mais leve, com intenções de preservação da intimidade doméstica.

Assim, o ritual das presenças e movimentos situava a mulher e as filhas na sala, copa e cozinha. Os filhos brincando no quintal ou na rua. E o homem saindo para o trabalho tinha no ato de fechar a porta o sinal de segurança da família.

Principalmente no verão, mas também em domingos e feriados, as pessoas colocavam cadeiras nos passeios e prosavam. As mulheres também se encontravam, e a ida e volta da missa era sempre uma ocasião propícia. Os meninos continuavam donos da rua e dos quintais. Na frente da casa, as cadeirinhas enfileiradas eram usadas pelas crianças, banhadas e penteadas.


Na década de 30, do século XX, começa a surgir o estilo construtivo que se denominou “bungalow”, ou bangalô em português, nome de origem indiana. Em Poções eram chamadas de “estilo moderno” , com linhas retas e recursos de concreto, que não existiam nas antigas casas.

É o inicio das varandas. Mas neste estilo moderno as casas são recuadas e com elas as varandas. Assim, a comunicação se estabelece com visitantes mais familiares, que já adentraram o espaço da casa através da grade do jardim, esta sim no limite do passeio.

Na Praça do Obelisco, a casa do Dr. Antonio Carlos era deste tipo. Ao lado, a casa das Mascarenhas era do estilo antigo, mas já com varanda direta para a rua. Mais adiante, a casa de Argemiro Pinheiro permanece com o estilo antigo, de porta e janelas, sem varanda.

A varanda, portanto, já se institui nas décadas 40 e 50, quando Poções já tem um comércio mais estruturado, ruas que começam a serem pavimentadas com paralelepípedos, cidadãos que já se encontram no Clube Social União das Classes, uma festa do Divino mais abrangente e uma juventude que já começa a ir estudar em Jequié e Salvador. Esta, sem dúvida, a principal frequentadora e animadora das varandas.


Com a varanda, uma nova era de sociabilidade se abre. As pessoas veem e são vistas. Cumprimentam “en passant” as pessoas de conhecimento mais afastado, e prosam mais demoradamente com as pessoas mais conhecidas. Comunicam e ficam sabendo das novidades. Cada um, homem, mulher e menino, à sua hora e à sua maneira usam a varanda.

De dia ou de noite, na semana ou no domingo, no dia comum ou de festas, a varanda é sempre o elo de ligação da casa com a rua.

A varanda permitia, portando, uma maior proximidade sem, contudo invadir a privacidade.

O cerimonial era portanto, de acordo com o relacionamento. A conversa passeio-varanda era com conhecidos em geral. Na varanda propriamente só com pessoas mais chegadas. Na sequencia usava-se a sala de visita para uma recepção mais cerimoniosa e finalmente na sala de jantar ou copa para familiares e amigos próximos. E, para ficar completa a descrição, o quarto de dormir, se fosse hóspede. Em uma época sem hotéis e com pensões razoáveis era comum a prática da hospedagem, seja de familiares, amigos ou mesmo padres pregadores, como foi o caso de D. Crisóstomo, beneditino.

Na rua da Itália quase todos se dispuseram a sacrificar uma parte de um dos cômodos para construir uma varanda. Só a casa de Miguel Lopes permaneceu sem varanda.

Em nossa casa tinha uma varanda grande, com dois parapeitos e entre eles uma coluna redonda, que chamávamos de “vovô”. As cadeiras de ferro e uma decoração simples completavam a varanda. Na nossa tinha uns patos de cerâmica na parede, que foram levados pelo filho da lavadeira. Ela, entre triste mas orgulhosa, fez questão de devolver, se desculpar e repreender o filho.


O coronel Alberto Lopes com sua família, quando de passagem para sua fazenda na Mata, era hóspede de nossa casa e frequentador da nossa varanda. Uma das vantagens era que, os conhecidos quando passavam e o viam sempre adentravam para um dedo de prosa e dois dedos de Martini.

À noite era o cerimonial dos tios. Meu pai, após o jantar saia com minha mãe para andar no passeio, em frente à varanda da minha casa e da de Antônio Leto. Da varanda da sua casa, Américo Libonati, via e vinha. Luís Sarno, mais acima, também ia descendo, sempre com o palito na boca, que não tirava nem para falar. Fidélis de Boa Nova, primo, também se chegava, com o cigarro no lugar do palito. Tio Emílio bastava subir um pouco a rua e já estava com o grupo. Em geral usavam chapéu de massa, pois temiam o sereno. Tio Luiz sempre foi usuário de um boné.

Conversavam sobre as novidades sociais, políticas e comerciais, principalmente o mercado do café.

Debruçados na balaustrada da varanda, Aninna e os filhos a tudo ouviam.

Vindos de Mormanno, pequena cidade no Sul da Itália, onde as ruas estreitas mal permitiam sacadas e o frio exigia janelas duplas e fechadas, estar ali, prosando sob um amplo hemisfério cheio de estrelas, tendo uma larga visão, mesmo urbana, era um prazer que desfrutavam sempre que podiam, sabendo que aquilo fazia parte da compensação por terem partido.

E assim o papo prosseguia, poliglótico, ora em português, ora em mormanolo, ora em italiano e por vezes a palavra usada não existia, era pura invenção deles...!!!

Eduardo Sarno

Out/2012

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