06 junho 2009

O Beco dos Artistas

Para ser fiel à verdade, a placa azul com letras brancas dizia “Beco dos Artista” parecendo não levar em conta a pluralidade artística que havia ali, o que fazia dele um beco simpático, bem no coração de Poções.
Imprensado entre a farmácia do Dr. Ary Alves Dias e a Casa Sarno, proprietária dos cômodos do beco, ele ligava a Praça Deocleciano Teixeira, atual Raimundo Pereira de Magalhães à antiga Rua do Beco Apertado, ou Rua do Cine Santo Antonio, atual Rua Olimpio Lacerda Rolim. Como se vê não era um bequinho qualquer.
Tinha um calçamento rústico, tipo “pé de moleque”, que fazia trepidar as nossas bicicletas. Na esquina com a praça havia dois grandes bueiros com enormes trilhos transversais que engolia a água da chuvarada, que descia da Rua da Itália.
Nos cômodos pequenos, de um lado e do outro do beco, estavam os artistas. A confraria dos alfaiates era a maior. Otoniel, Dudu Marinho e os irmãos Arnóbio e Valter eram os autores dos ternos sob medida ostentados pelos homens e meninos. Lá foi feito o meu primeiro paletó, azul escuro, para a primeira comunhão. A calça ainda era curta, sobressaindo o sapato de verniz quebradiço.
Filó, Tião e Chirico eram os reis do serrote e da plaina. Foram eles que fizeram, por encomenda de André Pinto, a estrutura de um caiaque, que seria revestido de lona e batizado de “Blue Moon” (Lua Azul) uma balada muito em voga na época. Esta canoa chegou a dar uma volta no açude, com André todo prosa, remando. Mas ao chegar à margem, da multidão de curiosos avançou seu Tibúrcio com um “capa garrote” aberto na mão e rasgou de proa a popa o efêmero caiaque. Argumentou paternalmente que aquilo era um perigo para os rapazes, que poderiam morrer afogados. Ninguém conseguiu demove-lo de crer no mérito da sua façanha.
A barbearia impressionava com sua cadeira, uma verdadeira lavra da arte da metalurgia e da marcenaria. Os titulares eram Hermes e Elias, o primeiro tendo como assistente o João Barbeirim, promissor já no nome. Na seqüência do tempo também João Bonitinho e Élio apararam barbas e cabelos poçõenses. As crianças sentavam em uma tábua que era colocada nos braços da cadeira, para dar altura. Cobertos pela toalha branca ficavam ali, imponentes e imóveis, enquanto a máquina número zero, um ou dois deixava apenas o pimpão. O perfume gostoso da loção após barba, no cangote escanhoado pela navalha “Solingen”, dava por encerrada a tarefa de seu Elias.

Da tenda de Zé Sapateiro saiam para novas quilometragens os pisantes de senhoras e senhores, moças, e rapazes. Era capa-fixa para delicados “ scarpins” e meia sola para os robustos calçados Clark.
Não negando a profissão, Celso Relojoeiro era calmo e pontual. Atrás de sua montra de vidro, cheia de potinhos com peças e esqueletos de relógios, colocava o monóculo para examinar as minúsculas engrenagens de um Omega Ferradura.
Menos pontual e mais reservado, o ourives Zé Sobrinho freqüentava a sua lojinha com hora marcada, dependendo dos compromissos de compra e venda.
Já na esquina com a rua Olimpio Rolim, de frente inclusive para esta, ficava Giovanni Sola, que, não se enganem, não era sapateiro mas mestre marceneiro. A sua marcenaria em bom dialeto de Mormanno era chamada de “putía”, o que nos provocava risos mal intencionados.
O beco está lá, agora chamado de calçadão, o chão é cimentado, tem bancos e grandes luminárias redondas e as lojas se chamam “boutiques”.
A placa azul e as lembranças tenho guardadas comigo, e os artistas, onde estarão ?

Eduardo Sarno
Maio/97