31 outubro 2009

A Guerra de Badoque

De um lado estávamos nós, filhos de comerciantes abastados, advogados de renome, gringos italianos e grandes fazendeiros. Èramos os Espinheiras, Sarnos, Lopes e Curvelos. Quase todos morando na Rua da Itália, a principal de Poções.
Do outro lado estava “Bocage” e sua turma: Prexada, Respiço, Buate e Zezim Bocão. Eram chamados moleques, viviam nos arredores da cidade, eram pobres.
Nosso chefe era Ruy Espinheira Filho, por apelido “Abate” e a guerra tinha regras precisas. Os chefes dos dois grupos parlamentavam e decidiam o dia, a hora e o local da batalha.
Então os preparativos começavam. As “balas” para os badoques eram feitas de barro e depois assadas. A quantidade necessária era tanta que havia uma “indústria de guerra”, em que eu, Carlos Sarno e Gey Espinheira, os mais novos, fabricávamos balas para vender.
Eram encomendadas as “capangas”, bolsas de pano à tiracolo, para colocar as balas. Nossas mães costuravam as capangas com muito gosto, mal sabendo para que fins bélicos elas serviriam. Preparava-se os badoques com ganchos de velame (1) bem aprumado,borracha nova bem amarrada, e sempre um a mais, de reserva. O nome “badoque”, que transitou do grego ao árabe, na verdade significou primeiro uma noz e depois a bolinha de barro que era atirada, primitivamente com a besta.
Os preparativos e as barricadas eram feitas nos fundos da casa de Abate, pois esse tinha sido o local escolhido. Ali passava, no verão, um fio de água vindo do açude que, após um poço misterioso, ia dar nos fundos do Prédio Escolar Alexandre Porfírio.
O dia marcado se aproximava e a tensão aumentava. Já não se podia sair sozinho à rua, com receio de uma provocação. E tudo era feito em sigilo, nenhum adulto desconfiava.
No dia e hora combinado lá estava cada grupo no seu lado. Os irmãos Lopes, Kíume e Wesley, no inicio da batalha sempre tinham um plano, uma cilada. Saíam os dois e só reapareciam com a luta terminada, inventando e contando as mil dificuldades que tiveram para colocar em prática a cilada, que nunca dava certo.
Luizito havia levado consigo uma sobra de fogos de São João e resolveu, naquela hora de tensão inicial, com todos a postos, soltar um foguete, que subiu assobiando.
Ainda estávamos surpresos quando Luizito, no mais puro gesto cinematográfico levantou-se, brandiu o braço em direção ao inimigo e gritou: "Atacar !". Imediatamente ele recebeu uma saraivada de balas inimigas e teve de se abrigar. A luta começara.

Sempre lutávamos com bravura, mas só os derrotamos uma vez, quando tivemos a ajuda inesperada de um aliado desconhecido, com uma funda. Tínhamos mais planos, mais idéias e mesmo mais sonhos. Mas eles tinham mais garra e pontaria. As coisas nunca aconteciam como prevíamos. Correndo das balas, aprendíamos que ali as coisas não se passavam como nos filmes que víamos, onde os artistas sempre ganhavam.
E por que não seriam os artistas Bocage e sua turma? Só hoje, tarde demais, me pergunto isso.
As guerras acabaram quando uma bala perdida quebrou a vidraça e acertou o Juiz de Direito da Comarca, o Dr. Eurico Alves Boaventura, dentro do Fórum. Sob o império da lei, recolheram todos os badoques do Município. Era proibido badocar. Para alegria dos pássaros, vidraças e Juizes de Direito.
Não sei ao certo quando levantaram a proibição . Só sei que desde então, até hoje, não badocamos mais.

Teve início então a época das espingardas de encher pelo cano, da caça às rolinhas, dos tiroteios no açude novo, com Gey alvejado por tres chumbinhos no antebraço, que sempre exibia orgulhoso, como um troféu, e as lavadeiras fugindo e gritando desesperadas:
“- Para com isso, “ meninos endiabrados ! ”
Eduardo Sarno

(1) Planta da família das euforbiáceas

20 outubro 2009

Bocce, Boccia, Bocha

Seja com o nome como já era conhecido na antiga Roma, ou como é conhecido na Itália ou no Brasil, este jogo, agradável, simples e adaptado a todas as idades sempre foi praticado onde havia colônias italianas.
A Casa D´Itália tem uma bela quadra de Boccia onde aos domingos os italianos se encontram para uma disputa amistosa.
Em Poções jogava-se a Boccia na praça, mas depois a prática foi se extinguindo e pouca lembrança restou.
No Rio Grande do Sul a prática do jogo sempre esteve presente entre os imigrantes e seus descendentes. (foto)
Para ampliar a prática deste esporte, o Sr. Paolo La Macchia (foto)
está realizando, todas as terças e quintas, às 19 horas, sessões gratuitas de instrução e prática aos interessados.
Contato e informações com a secretaria da Casa D’Itália – (71) 3329-5564.

Almoço na Casa D'Itália

No dia 18 de Outubro de 2009 a Diretoria , tendo como Presidente o Sr. Antonio Belmonte (foto), inaugurou o novo piso de granito do salão da Casa D’Itália. Da confraternização ,com música italiana ao vivo e deliciosa macarronada, participaram diversos sócios, amigos e familiares. (fotos)

16 outubro 2009

Vicente Sarno e Filhos

Vicente Sarno (foto) veio da Itália para o Brasil em 1905, com a idade de 12 anos. Deixou os pais em Mormanno (Cosenza) e foi trabalhar com o tio Francesco Sarno em Poções, interior da Bahia.
Casou-se com Aurelina “Lelinha” Pithon (foto) (*1897 + 1998),
sobrinha do Padre Pithon "Dinho Padre" ( foto), vigário de Poções na época.

O casal teve oito filhos (foto) : da esquerda para a direita: Benito(*1931), Maria (Lourdes)(*1930 + 2009), Manoel (Maneca)(*1925 +1974), Lea (*1932), Aurelina Pithon, Vicente Sarno, Teresa(*1929), Élio (*1927), Francisco (Chico)(*1926 +1986) , Fidélis (*1926).

14 outubro 2009

O Café

Em Poções, no verão, as tardes quentes prenunciavam noites frescas. Na Rua da Itália, o ponto de encontro dos primos, depois do jantar, era a varanda de nossa casa ou a de tio Valentim.
O papo corria solto, com piadas contadas pelo primo Irineu (foto), gargalhadas e comentários os mais diversos. Nós estávamos de férias, todos chegados de Salvador, depois de um ano inteiro de estudos, alguns internos no Salesiano ou Marista.
Invariavelmente meu pai e minha mãe caminhavam pela calçada, e tio Américo e tio Luis às vezes vinham juntar-se a eles.
Quando terminava o passeio meu pai sempre parava para uma prosa com os sobrinhos. Um dedo de prosa, como se dizia.
Uma das vezes o assunto foi o café. Naqueles idos de 1950 o café era um assunto nacional, não só pelo volume de exportação como o fato de grandes quantidades terem sido queimadas, ou jogadas ao mar, para manter o preço. Criticava-se também o fato do Brasil não poder vender café diretamente à União Soviética, e ter de fazê-lo através dos Estados Unidos.
Meu pai explicava pacientemente, e com ar professoral, todos os detalhes do mercado do café, mas a discussão continuava. Ele então pedia um momento, entrava em casa e ia buscar o “dossiê do café”: um classificador onde estavam anotações, recortes e correspondência sobre o mercado do café. Ele então lia os documentos que confirmavam as suas afirmações e todos terminavam convencidos pelos fatos.
A firma Sarno & Irmãos tinha fazenda onde plantava café, e um armazém (foto-1948) onde comercializava o próprio e o adquirido, além de mamona, cacau, peles, etc. Tio Luis e tio Emilio gerenciavam o armazém, e eram “experts” em café, reconhecendo e avaliando os grãos de qualidade para a compra e beneficiamento.


Erotildes e Vitalino eram os “camaradas” de confiança que pegavam no pesado e deixavam tudo arrumado. Eram pilhas enormes de sacas de café e cacau. O transporte era feito no caminhão de Herculano.
Sempre nós íamos lá brincar e quando havia algum saco de cacau furado enchíamos os bolsos com as sementes e em casa conseguíamos fazer um chocolate caseiro, muito gostoso. Anos depois, ao tentar repetir o feito em Itacimirim, só consegui fazer um mingau lilás, logo apelidado de “chocogrude” e rejeitado por todos... menos pelo primo Pietro Sangiovanni, que comeu e achou delicioso !
Fidelão, filho de tio Emilio, e Fernando, filho de tio Luis, tinham uma brincadeira mais sofisticada: brincavam de Zorro em italiano!
No armazém, o cheiro das sacas de café e cacau era inesquecível, e do alto das pilhas ficávamos olhando as “catadeiras” ou "pianistas" (foto), mulheres que, sentadas em grandes bancos catavam os grãos. Erotildes e Vitalino subiam nas compridas mesas e despejavam os grãos, arrastando as sacas.
A firma Sarno vendia para Brandão & Filhos, e para isso tinham de estar em dia com as cotações nacionais e internacionais. Assim, era imprescindível para Corinto ouvir pelo rádio o noticiário do Repórter Esso, e a Rádio Nacional com as últimas novidades do cambio e das cotações.
Na década de 50, na Europa ainda havia as dificuldades do pós-guerra, e minha mãe fazia pequenos sacos de algodão , onde cabia um quilo de café em grão. Nós íamos levar ao Correio para postar para os parentes em Mormanno, na Itália. Quem nos atendia era Zulmerinda Duarte Curvelo, futura sogra de meu irmão José Fidelis.
Os italianos da família Leto, em Jequié, faziam o mesmo, postando para os parentes em Trecchina.
O café era torrado em casa. Meu pai trazia uma seleção dos melhores grãos, e colocava em um cilindro de ferro com uma manivela, para girar. No quintal havia o lugar apropriado para o encaixe do cilindro e o fogo era colocado em baixo. Dali o café já torrado ia para a máquina de moer, também manual, e esta era uma tarefa para nós, meninos.
Bule, chaleira e coador de algodão eram os utensílios usuais que completavam a feitura do café. O bule costumava ficar em cima da chapa quente do fogão a lenha. Por vezes usava-se a cafeteira italiana.
Minha mãe, muito econômica, e achando que o pó era tão bom que se prestava para isso, chegava a fazer café duas vezes com o mesmo pó, para desgosto e protestos de nós, consumidores familiares.
Certa feita meu pai trouxe amostras de café in natura para torrar, moer e coar dentro da melhor técnica, para degustação. Era uma encomenda importante para exportação. Desavisada, ou usando a sua visão econômica, minha mãe misturou com outros grãos... para render !
As visitas tomavam sempre um cafezinho bem passado, servido em bandeja de prata e xícaras finas de fabricação francesa ou japonesa, que ficavam na cristaleira da sala.
Para meu pai – não sei se invenção dele ou dela – minha mãe fazia uma “garapa” de café, gelada, que eu levava no meio da tarde quente para o escritório dele, na Casa Sarno. Ao que parece o meu pai apreciava, porque no dia seguinte a garrafa estava vazia.

Eduardo Sarno
27.07.08

Fedele, o Sarno que não veio

Fedele Sarno (foto) (*1860- +1942), nunca veio ao Brasil, mas mandou 7 dos seus filhos: Vicente (*1893-+1975), Corinto (*1899-+1970), Luis (*1907-+1994), Valentim (*1902-+1990), Emilio (*1904-+1977), Rosina (*1911-+1973) e Camilo (*1909-+1995).
Na foto com a esposa Teresina Minervini (*1870+1940) falta o filho Vicente, que já estava no Brasil, em companhia do tio Francesco Sarno ,em Poções,interior da Bahia.
Esta foto foi tirada por volta de 1915, estimando-se a idade de Rosina, a mais nova, em torno de 4 anos.


Da esquerda para a direita: Luis – Emilio- Corinto – Teresina Minervini - Carmine (falecido precocemente) – Rosina – Fedele Sarno – Camilo – Valentim.
Esta foto certamente foi enviada para Vicente, para que conhecesse os irmãos que haviam nascido depois da sua partida e os que havia deixado bem novos.
Além dos filhos que vieram para a Bahia, dois irmãos de Fedele vieram para o Brasil: Antonio, para Minas Gerais (ver matéria neste blog) e Maria Agnese, para Santos, casada com De Franco.