18 março 2024

 

FAMÍLIA & MEMÓRIA

 


Um dos aspectos destacados e analisados pelos historiadores da imigração italiana no Brasil é a predominância da imigração familiar sobre a de indivíduos solteiros.

Mesmo na maioria dos casos onde o chefe da família emigra primeiro, a intenção é quase sempre fazer vir a família para junto dele.

O trabalho na terra, seja como dono da gleba ou assalariado na colheita, sempre foi uma atividade que congrega toda a família. A terra, como unidade produtiva, permite a moradia, a produção pelo plantio, a venda e troca dos produtos, a sobrevivência e a manutenção da saúde da família.

Esta unidade familiar expande-se horizontalmente, quando membros da família adquirem mais terras, e verticalmente, quando os mais novos continuam o trabalho produtivo dos mais velhos. Por este motivo as tradições e valores culturais são mantidos por mais tempo.

Os camponeses da região do vêneto, Norte da Itália, sem acesso à terra, formaram o grande contingente de imigrantes que vieram para o interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Espírito Santo, principalmente.

O comércio, de características urbanas, também é um elemento que agrega a família. Assim como a atividade na terra, ele permite a acumulação de riqueza e bem estar para a família, recebendo para isso o concurso de todos.

Os meridionais, ou habitantes do Sul da Itália, dirigiram-se, em boa parte, para a atividade urbana e, como localização, privilegiaram o Nordeste e o Norte do Brasil.

Com a família Sarno não se passou de modo diferente. O primeiro Sarno imigrante trouxe parte da família, e os outros dois seguintes vieram solteiros.

Vencendo as dificuldades da distância, da guerra e da luta pela sobrevivência, todos os sete irmãos constituíram família e moravam próximos.

Centrados na atividade comercial comum, eles estreitavam estes laços familiares pelo compadrio, solidariedade e nas atividades sociais e culturais.

A ligação com os remanescentes da família que ficaram na Itália era grande, através de cartas, encomendas, mensagens, fotografias e eventuais visitas.

A partir da dissolução da Casa Sarno, esta unidade e convivência foi-se desagregando, seja por mudança de moradia, falecimento ou principalmente pela nova atividade da geração seguinte: profissionais liberais, na sua maioria.

A atividade profissional liberal, do pequeno comércio ou do emprego público e privado levou esta nova geração a ser auto-suficiente, a não precisar depender do circulo familiar mais amplo, pois bastava o auxilio da família mais próxima, de pais e irmãos.

Esta distância aumenta na medida em que a família cresce e agrega-se a ela novas famílias através dos casamentos. O processo acelerado de urbanização não permite mais que algumas famílias morem no mesmo bairro ou prédio, como aconteceu na Av. Araújo Pinho, onde chegaram a morar 6 famílias aparentadas e 2 de patrícios.

A antiga solidariedade familiar, sólida e eficiente, fica então reduzida a uma troca de favores entre profissionais, pedidos de desconto, de bolsas de estudo, de indicação para emprego e coisas do gênero.

A fala do belo dialeto mormanolo, suas canções e seus ditados ficam perdidos, pendentes apenas na lembrança de alguns. Os objetos vão-se perdendo, cartas e fotografias muitas vezes são destruídas ou descuidadas, devido ao desinteresse pela memória.

É até contraditório que em uma época de tantos recursos tecnológicos para reproduzir, informar, pesquisar, esta questão do resgate da memória não esteja na ordem do dia.

Para que haja interesse não se pede nem mesmo que se tenha cultura, visão histórica, basta que haja  curiosidade, emoção e respeito pelos nossos antepassados.

A recente possibilidade legal da dupla cidadania despertou uma espécie de volta às origens, mas com um objetivo absolutamente pragmático: obter a certidão de nascimento do antepassado.

Assim, o movimento no tempo, nos distanciando de nossas origens, e o movimento no espaço, onde nos distanciamos entre nós, leva a que sejamos uma família que se encontra anualmente para comer e eventualmente para enterrar seus mortos.

Abril/2010

Eduardo Sarno

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