13 março 2024

 

ESCOLA PRIMÁRIA  ALEXANDRE PORFIRIO

* crônicas poçõenses *


Se me perguntassem quem foi Alexandre Porfírio não saberia responder com clareza. Parece que foi um educador, professor ou algo assim. Já se falou qualquer coisa a respeito do Alexandre Porfírio, mas certamente nada importante, porque a memória não registrou. Para nós alunos, Alexandre Porfírio nada mais era que um cabeçalho que éramos obrigados a escrever em todas as provas e trabalhos, no papel almaço.

Eu não estava sorrindo quando para lá fui levado pela primeira vez. Não. Chorava e esperneava, para  tristeza de minha mãe que, paciente e enganosamente me explicava que teria que ficar ali justo o tempo necessário para que ela terminasse de fazer a macarronada. Logo em seguida eu poderia ir para casa.

As pessoas ali até que não eram estranhas, pois eu conhecia alguns alunos e professores. Mas o que me atemorizava era o lugar em si, ter de estar ali, a relação que se estabelecia, de aluno para professor, as normas que eram obedecidas, com todo  mundo sentado dando lição. Adeus liberdade de ir e vir pelos matos, badocando, de não ter a preocupação de levantar cedo e fazer deveres. Ali  tinha de deixar de ser bicho comodista e virar gente. Fiquei.

Nas paredes, os grandes cartazes coloridos davam conta de todos os tipos de peixes, de plantas e de animais. Tudo numerado, com o correspondente nome embaixo. Nos mapas, cada país de uma cor, tudo bonito de se ver.

Mas, o nó na garganta era a tabuada, Todo mundo em pé, em fila, com as multiplicações, divisões e novesfora sem gaguejar. O nervosismo, o calor e a farda de brim caqui, parecendo fardão militar, com botões dourados, ajudavam a atrapalhar. A tabuada era um folheto pequeno, fino, mas como pesava na nossa cabeça!

Tudo era fila. Para entrar na escola, tinha que fazer fila e cantar o Hino Nacional, Hino da Liberdade ou o Hino da Bandeira. A letra dos hinos estava impressa nos nossos cadernos.

 Depois do recreio também tinha de fazer  fila. Todo mundo suado, empoeirado, fedendo. Esticávamos os braços tocando no ombro do colega para marcar a distancia, mas quando começávamos a andar, era um empurrando o outro, como se não houvesse lugar para todos.

As salas eram grandes, espaçosas, ventiladas. As carteiras grandes para o nosso tamanho, de madeira maciça, cheia de nomes gravados. No meio da carteira  o buraco para colocar o tinteiro. Embaixo, o lanche, a tabuada, o caderno e os  livros e o mata-borrão. Dentro de uma caixinha a pena de bico. Ah! o caderno de caligrafia, obrigatório e inestimável. A caneta tinteiro – Parker e com uma bombinha  de borracha dentro – só aparecia em nossas mãos bem mais  tarde, como presente de conclusão de curso.

  As professoras, não sei por que,  davam a impressão de que estavam ali há muitos anos e que ficariam também por mais tempo do que podíamos imaginar. Tinha um quê de coisa imutável. Esta impressão fica ainda mais viva, quando encontro, quarenta anos depois minhas antigas professoras ainda em atividade: Jacy Rocha, Madalena Curvelo, Celeste Pinto Curvelo, Bohemia Marinho. São como anjos bons, inesquecíveis.

Não me lembro  mais de tudo que aprendi ali. Mas deve ter  servido para muita coisa. Ficava sempre pensando, se depois vou esquecer tudo, para que aprender?

Aprendi que era “gringo” ou filho de “gringo”, que era a mesma  coisa. Gringos eram meus pais e meus tios, comerciantes italianos que haviam se estabelecido em Poções há cinco décadas.

Durante o recreio, o baba era a diversão de todo dia. Suados, empoeirados, assim iam para a fila para poder entrar na sala de aula. Daí o  cheiro de suor, inconfundível, ajudado pelo abafamento do fardão de brim cáqui.

As meninas jogavam “baleado”. O grande final foi um torneio em que disputaram meninos e meninas. Do nosso lado ficou, por último, João Ferraz e no das meninas, Glorinha Macedo.A luta parecia interminável, os dois se esforçavam ao máximo e a torcida já estava rouca. De repente João “baleou” Glorinha! Nesse dia ele foi carregado nos ombros, em apoteose, com direito a uma volta olímpica pela Praça do Obelisco, em frente à Escola.

Hoje, passados muitos anos, eu sei, de cor e salteado, quem foi Alexandre Porphyrio de Almeida Sampaio. Professor de Português do Ginásio da Bahia, em Salvador, publicou em 1924 “Estudos de Português”, fundou  o Ginásio Ypiranga e o administrou por muitos anos quando ainda funcionava no Corredor da Vitória. Vendeu depois para seu amigo e concunhado professor Isaias Alves de Almeida, que o transferiu para a Ladeira da Praça nº 18. Em 1911, tendo comprado a casa onde faleceu Castro Alves,  no Sodré, por 35 contos de reis, o professor Isaias Alves transferiu para lá o Ginásio Ypiranga.

 

Eduardo Sarno

Out/97

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário