ESCOLA PRIMÁRIA ALEXANDRE
PORFIRIO
* crônicas poçõenses *
Se me perguntassem quem foi Alexandre Porfírio não saberia responder com clareza. Parece que foi um educador, professor ou algo assim. Já se falou qualquer coisa a respeito do Alexandre Porfírio, mas certamente nada importante, porque a memória não registrou. Para nós alunos, Alexandre Porfírio nada mais era que um cabeçalho que éramos obrigados a escrever em todas as provas e trabalhos, no papel almaço.
Eu não estava sorrindo quando para lá fui levado
pela primeira vez. Não. Chorava e esperneava, para tristeza de minha mãe que, paciente e
enganosamente me explicava que teria que ficar ali justo o tempo necessário
para que ela terminasse de fazer a macarronada. Logo em seguida eu poderia ir
para casa.
As pessoas ali até que não eram estranhas, pois eu
conhecia alguns alunos e professores. Mas o que me atemorizava era o lugar em
si, ter de estar ali, a relação que se estabelecia, de aluno para professor, as
normas que eram obedecidas, com todo
mundo sentado dando lição. Adeus liberdade de ir e vir pelos matos,
badocando, de não ter a preocupação de levantar cedo e fazer deveres. Ali tinha de deixar de ser bicho comodista e
virar gente. Fiquei.
Nas paredes, os grandes cartazes coloridos davam
conta de todos os tipos de peixes, de plantas e de animais. Tudo numerado, com
o correspondente nome embaixo. Nos mapas, cada país de uma cor, tudo bonito de
se ver.
Mas, o nó na garganta era a tabuada, Todo mundo em
pé, em fila, com as multiplicações, divisões e novesfora sem gaguejar. O
nervosismo, o calor e a farda de brim caqui, parecendo fardão militar, com
botões dourados, ajudavam a atrapalhar. A tabuada era um folheto pequeno, fino,
mas como pesava na nossa cabeça!
Tudo era fila. Para entrar na escola, tinha que
fazer fila e cantar o Hino Nacional, Hino da Liberdade ou o Hino da Bandeira. A
letra dos hinos estava impressa nos nossos cadernos.
Depois do
recreio também tinha de fazer fila. Todo
mundo suado, empoeirado, fedendo. Esticávamos os braços tocando no ombro do
colega para marcar a distancia, mas quando começávamos a andar, era um
empurrando o outro, como se não houvesse lugar para todos.
As salas eram grandes, espaçosas, ventiladas. As
carteiras grandes para o nosso tamanho, de madeira maciça, cheia de nomes
gravados. No meio da carteira o buraco
para colocar o tinteiro. Embaixo, o lanche, a tabuada, o caderno e os livros e o mata-borrão. Dentro de uma
caixinha a pena de bico. Ah! o caderno de caligrafia, obrigatório e
inestimável. A caneta tinteiro – Parker e com uma bombinha de borracha dentro – só aparecia em nossas
mãos bem mais tarde, como presente de
conclusão de curso.
As
professoras, não sei por que, davam a
impressão de que estavam ali há muitos anos e que ficariam também por mais
tempo do que podíamos imaginar. Tinha um quê de coisa imutável. Esta impressão
fica ainda mais viva, quando encontro, quarenta anos depois minhas antigas
professoras ainda em atividade: Jacy Rocha, Madalena Curvelo, Celeste Pinto
Curvelo, Bohemia Marinho. São como anjos bons, inesquecíveis.
Não me lembro
mais de tudo que aprendi ali. Mas deve ter servido para muita coisa. Ficava sempre
pensando, se depois vou esquecer tudo, para que aprender?
Aprendi que era “gringo” ou filho de “gringo”, que
era a mesma coisa. Gringos eram meus
pais e meus tios, comerciantes italianos que haviam se estabelecido em Poções
há cinco décadas.
Durante o recreio, o baba era a diversão de todo
dia. Suados, empoeirados, assim iam para a fila para poder entrar na sala de
aula. Daí o cheiro de suor, inconfundível,
ajudado pelo abafamento do fardão de brim cáqui.
As meninas jogavam “baleado”. O grande final foi um
torneio em que disputaram meninos e meninas. Do nosso lado ficou, por último,
João Ferraz e no das meninas, Glorinha Macedo.A luta parecia interminável, os
dois se esforçavam ao máximo e a torcida já estava rouca. De repente João
“baleou” Glorinha! Nesse dia ele foi carregado nos ombros, em apoteose, com
direito a uma volta olímpica pela Praça do Obelisco, em frente à Escola.
Hoje, passados muitos anos, eu sei, de cor e
salteado, quem foi Alexandre Porphyrio de Almeida Sampaio. Professor de
Português do Ginásio da Bahia, em Salvador, publicou em 1924 “Estudos de
Português”, fundou o Ginásio Ypiranga e
o administrou por muitos anos quando ainda funcionava no Corredor da Vitória.
Vendeu depois para seu amigo e concunhado professor Isaias Alves de Almeida, que
o transferiu para a Ladeira da Praça nº 18. Em 1911, tendo comprado a casa onde
faleceu Castro Alves, no Sodré, por 35
contos de reis, o professor Isaias Alves transferiu para lá o Ginásio Ypiranga.
Eduardo Sarno
Out/97
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