16 março 2024

 

O PADRE HONORATO  NASCIMENTO  DE  ANDRADE 

* crônicas poçõenses *

 É uma dessas personagens que petrifica e incrusta-se na historia das pessoas e dos lugares. Magro, gestos rápidos, nariz afilado e sempre com uma batina preta puída na gola e nos punhos. Cobrindo a tonsura o permanente barrete. Dele diz-se mais coisa do que ele realmente é. Surdo, tem o privilégio de só responder às perguntas que lhe interessam. Aumenta e abaixa o volume dos fones auriculares através de um controle que traz no peito, em um bolso interno da batina. Natural de Jaguaquara, raramente era visitado pelos parentes.

Dizem que ele fala com a voz meio forçada, encostando a ponta da língua no céu da boca e arrastando os “erres” para poder imitar o sotaque dos italianos, de quem muito gostava.

Dizem que ele só começa a missa quando seu Corinto Sarno chega. Outros explicam que, como seu Corinto é pontual, a hora que ele chega é o sinal certo para o Padre  iniciar a Missa.

Dizem que tem uma fazenda na Mata que vale milhões, mas que é muito sovina e faz questão de não falar dela.

Dizem que gosta muito de beber, quando lhe oferecem um guaraná, pergunta discretamente, entortando a boca, se não tem um uísquizinho.

Dizem que é esnobe e refinado, e que gosta de ter em casa  do bom e do melhor, principalmente mobiliário e roupas de cama e mesa.

Dizem que é muito vaidoso e que  tudo fez para ter o título de Monsenhor, do qual faz questão de usar tudo que tem direito: meias carmins, cinta vermelha, apliques nos botões e penacho vermelho no barrete. Recebeu o título por ocasião das suas bodas de prata de ordenação sacerdotal, no pontificado de João XXIII.

Dizem que não tem muito senso pratico. Quando teve um Jeep e estava aprendendo a dirigir no campo de aviação, o instrutor mandou que pisasse no freio.  Ele abaixando-se apontou para o pedal e perguntou:-  É este?  O carro só foi parar no meio dos pés de guabiraba.

Dizem que é muito usurário e comodista e que quando aparece um hospede para sua casa pede para alguém levar para  a casa de Seu Corinto.

A verdade é que,  apesar do padre Honorato, a comunidade poçõense conseguiu manter a fé.

Na sua prática, assistia aos pobres, fazia a desobriga pelas matas e caatingas e sempre se juntou aos poderosos do lugar, que nunca se negaram a fazer o que ele solicitava. Aos moleques e crianças que encontrava, nunca deixou de puxar as orelhas e apertar as bochechas. Quando era filha de algum conhecido, além da bochechada dizia, com sua pronúncia peculiar: “Olha a menina bonita de Leto. Como está seu pai?” E seguia adiante sem esperar resposta, porque não ouvia mesmo.

Alguns acreditam que nem ele mesmo entendia os seus longos sermões, monótonos e repetitivos. E o latim que ele lia, rápido demais, não correspondia ao que estava escrito.

E mais coisas se dizem do venerando Monsenhor. Mas isto não conto eu, que o faça os rapazes do Tiro de Guerra.

Houve um movimento modernista para depor o padre Honorato. Conseguiram. Mas não sei se foram justos. Afinal, mesmo anacrônico ele era um patrimônio local e se a comunidade avançou deveria tê-lo assimilado e não  afastado.

Hoje o Monsenhor é falecido. Se subiu aos Céus e está sentado à direita de Deus Todo Poderoso o fez no dia da Festa do Divino Espirito Santo, padroeiro de Poções, de quem sempre foi um pregador fiel.

 Eduardo Sarno

Jun/97


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