O
PADRE HONORATO NASCIMENTO DE
ANDRADE
*
crônicas poçõenses *
Dizem que ele fala com a voz meio forçada, encostando a
ponta da língua no céu da boca e arrastando os “erres” para poder imitar o
sotaque dos italianos, de quem muito gostava.
Dizem que ele só começa a missa quando seu Corinto Sarno
chega. Outros explicam que, como seu Corinto é pontual, a hora que ele chega é
o sinal certo para o Padre iniciar a
Missa.
Dizem que tem uma fazenda na Mata que vale milhões, mas que
é muito sovina e faz questão de não falar dela.
Dizem que gosta muito de beber, quando lhe oferecem um
guaraná, pergunta discretamente, entortando a boca, se não tem um uísquizinho.
Dizem que é esnobe e refinado, e que gosta de ter em casa do bom e do melhor, principalmente mobiliário
e roupas de cama e mesa.
Dizem que é muito vaidoso e que tudo fez para ter o título de Monsenhor, do
qual faz questão de usar tudo que tem direito: meias carmins, cinta vermelha,
apliques nos botões e penacho vermelho no barrete. Recebeu o título por ocasião
das suas bodas de prata de ordenação sacerdotal, no pontificado de João XXIII.
Dizem que não tem muito senso pratico. Quando teve um Jeep
e estava aprendendo a dirigir no campo de aviação, o instrutor mandou que
pisasse no freio. Ele abaixando-se apontou
para o pedal e perguntou:- É este? O carro só foi parar no meio dos pés de
guabiraba.
Dizem que é muito usurário e comodista e que quando aparece
um hospede para sua casa pede para alguém levar para a casa de Seu Corinto.
A verdade é que,
apesar do padre Honorato, a comunidade poçõense conseguiu manter a fé.
Na sua prática, assistia aos pobres, fazia a desobriga
pelas matas e caatingas e sempre se juntou aos poderosos do lugar, que nunca se
negaram a fazer o que ele solicitava. Aos moleques e crianças que encontrava,
nunca deixou de puxar as orelhas e apertar as bochechas. Quando era filha de
algum conhecido, além da bochechada dizia, com sua pronúncia peculiar: “Olha a
menina bonita de Leto. Como está seu pai?” E seguia adiante sem esperar resposta,
porque não ouvia mesmo.
Alguns acreditam que nem ele mesmo entendia os seus longos
sermões, monótonos e repetitivos. E o latim que ele lia, rápido demais, não
correspondia ao que estava escrito.
E mais coisas se dizem do venerando Monsenhor. Mas isto não
conto eu, que o faça os rapazes do Tiro de Guerra.
Houve um movimento modernista para depor o padre Honorato.
Conseguiram. Mas não sei se foram justos. Afinal, mesmo anacrônico ele era um
patrimônio local e se a comunidade avançou deveria tê-lo assimilado e não afastado.
Hoje o Monsenhor é falecido. Se subiu aos Céus e está
sentado à direita de Deus Todo Poderoso o fez no dia da Festa do Divino
Espirito Santo, padroeiro de Poções, de quem sempre foi um pregador fiel.
Jun/97
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