17 março 2024

 

A MACARRONADA

* crônicas poçõenses *

 


Minha mãe, ao voltar da missa dominical, dedicava-se à tarefa da preparação da macarronada, com a ajuda de Joaninha, nossa empregada de muitos anos.

A farinha de trigo era de boa qualidade, mas nem sempre foi assim. Na década de 30, a farinha demorava tanto a vir de Salvador para Poções, que invariavelmente chegava estragada.

A massa, preparada com ovos do quintal, era primeiramente aberta na máquina manual, marca “Rapid”, vinda da Itália, mas provavelmente de fabricação inglesa, e que uso até hoje. As tiras eram espalhadas sobre a  mesa de pedra da cozinha, e depois passada no cilindro do “spaghetti”. O  outro cilindro era para o “talharim”.

A grande panela de alumínio já estava sobre o fogão a lenha, aquecendo a água.

O “sugo” era feito de tomates previamente cozidos, aos quais se juntava as “polpetas” (do latim “pulpa”)  ou então bifes de carne macia, enrolados e espetados em um palito.

O uso de tomates e verduras por parte dos italianos em Poções, Jequié e Jaguaquara criou uma demanda, que foi suprida  tanto pelos próprios italianos que se dedicaram à agricultura, como pelos agricultores locais.

A travessa,  antiga e enorme, de porcelana,  já aguardava sobre a mesa da copa ou, eventualmente, da sala. A fome rondava a casa, e os comensais não se afastavam, prontos para “mangiare”.

Meu pai não se sentava à cabeceira da mesa. Tinha o costume e a preferência de sentar-se ao lado da cabeceira, por ser um lugar mais resguardado e ter a visão da copa e do quintal, com a parreira e o pé de laranja lima. Quando havia convidados, que lhe reservavam a cabeceira da mesa ocorria sempre a necessidade desta explicação.

O primeiro prato a ser servido era o do meu pai, e em seguida dos filhos. Minha mãe revelava prazer imenso nesta tarefa de alimentar a ninhada.

Meus pais, e eventualmente nós, usávamos a colher para auxiliar o garfo a enrolar o 'spaghetti'. Era um antigo costume italiano.

O horário da refeição era sagrado, ninguém podia se atrasar. Nem mesmo meu pai. Quando isso raramente ocorria, era repreendido por minha mãe. Ele respondia de maneira jocosa  e sorrindo: “- Dona Nina, Dona Nina...!!”

Normalmente o consumo eram dois pratos “per capita". Nas ocasiões festivas bebia-se vinho tinto frisante.

A tarde  era dedicada à digestão. Eu sentava sózinho na varanda e ficava observando a rua, na tarde dominical, semi-deserta. Quando passava um transeunte, eu me perguntava mentalmente, com um leve sentimento de culpa,  se ele estaria tão bem alimentado como eu.

Eduardo Sarno

2019

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