19 março 2024

 

O PALETÓ

* crônicas poçõenses *



  Nas noites frias no Seminário de Amargosa eu me aquecia com um paletó escuro inverno-esporte, que havia sido de meu cunhado, Garibaldo. O que ele tinha de horroroso tinha de confortável. Mas foi com base no primeiro critério que minha irmã Teresa, nas férias, resolveu condená-lo, à minha revelia, em uma triagem feita em conivência com minha mãe.

Protestei, ameacei, mas fui voz vencida. As noites continuaram frias, e eu sem meu paletó. Uma barbaridade.

Quando minha irmã Aurora casou, em Poções, fui vitima de outra arbitrariedade. Eu havia decidido que não iria ao casamento de paletó. Mas, para minha surpresa, haviam escondido todas as minhas roupas e deixaram apenas o paletó disponível, em cima da cama. Não fui ao casamento e fotos posteriores confirmam minha indumentária em manga de camisa, junto aos nubentes.

Minha mãe, inocente e religiosamente, mandou ampliar e colocar em moldura oval, aquelas tamanho grande,que ficavam na sala de visita, uma foto minha da primeira comunhão, segurando uma vela cerimonial, um livro de orações e um terço. Estava de sapato de verniz, de paletó e...de calça curta !  A visão daquele garoto rechonchudo até hoje me causa riso.

Minha mãe sempre teve prendas de costureira. Naquela época alguns vestidos eram forrados, e outros, como eram usados com anáguas, praticamente também eram forrados. Mas, quando havia sobras de tecido, minha mãe, que também tinha prenda de economia, fazia calças curtas para nós meninos, mas não forrava! Assim, ao andar, as coxas coçavam e eu fazia de imediato uma analogia da coceira com tecido novo. Durante muitos anos, e ainda conservo até hoje, a preferência da roupa usada em detrimento da nova.

Em setembro, na Festa da Padroeira de Boa Nova, minha mãe participava das comemorações,  elegantemente trajada em seu “tailleur” sob medida, de tecido estampado. Ao seu lado, de mãos dadas, estava eu, de calças curtas e terninho infantil, do mesmo tecido que o vestido dela!

O terno, como também é conhecido o paletó, deriva de 'três', e inclui paletó, calça e colete, em desuso, e sua forma atual surgiu durante a Revolução Industrial.

Ademais, as calças, principalmente as compridas, tinham de ter vinco e uma barra. Manter tudo alinhado e passado eu achava, como diria Raul Seixas, "tudo isso um saco” !

Tempos depois, não sei por qual motivação festiva, fiz um paletó de encomenda, com Otoniel alfaiate, que pontificava no Beco dos Artistas. Era um paletó bem talhado, azul-marinho, e que tenho registro em foto, do uso do mesmo na Festa do Divino, cercado pelas belas irmãs Paradelas. Este paletó me acompanhou até São Paulo, em 1967, quando fui para o casamento clandestino de José Fidelis, meu irmão. Depois tive de abandoná-lo, intempestivamente, juntamente com outras roupas, em uma kitinete na Maria Antonia. Na ocasião eu estava gerenciando uma Transportadora na Vila Maria e fui preso pela Polícia Federal, acusado de distribuir, através da Transportadora, boletins e jornais contra a Ditadura Militar. Era verdade, mas não deveria ser considerado um crime.

Meu pai era um usuário constante de paletó. Usava normalmente o de linho e nas cerimônias o de casimira inglesa. Quando gostava de um tecido, encomendava a Otoniel  dois ternos iguais. Minha mãe reclamava:

-Mas Corinto, assim o povo vai dizer que você só tem uma roupa!”

Meu pai dava de ombros e não respondia, mas a lição estava dada: não é o comentário do povo que diz o que vou usar.

Bom, tudo isso a propósito de um convite que recebo para um casamento "chic", de etiqueta, onde o uso do paletó é considerado apropriado e de bom tom.

Encomendar, comprar, emprestar ou alugar um paletó para mim está fora de questão. Deixar de ir também. O que fazer? , diria Lênin.

Só me resta argumentar.

E o principal argumento que encontro é que, nos dois principais casamentos que envolvem minha vida, eu não fui de paletó. O primeiro foi o de meus pais, eu não era nascido. O outro foi o meu, onde estou de manga de camisa, ao lado de Vane minha noiva e em frente ao padre José Hamilton, capelão das Sacramentinas.

Se o hábito não faz o monge, o paletó não faz a cerimônia.

 Eduardo Sarno

Nov/2013

 

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