Refinados, procuravam adequar estes fatores para um cultivo doméstico de plantas variadas. Fazia parte da atividade de lazer dos meus tios o cuidado com as plantas. Da entrada da casa até o fundo do quintal, passando pela sala, copa e ampla área de serviço, tudo era uma ornamentação natural do verde.
Mesmo não dispondo do recurso das cores, o fotógrafo registrou a exuberancia das flores
(casa de Ruy Espinheira e depois Américo Libonati)
Ao lado das rosas atracava-se ao muro a planta que achávamos a mais curiosa: a “Meia Noite”. Crescia pelas laterais parecendo da família dos cactos e dela desabrochava uma linda e grande flor branca, mas como justificava o nome, à meia noite.
Entre as janelas do quarto de meus pais e as da sala ficava um jardim cimentado com um círculo no meio e complementos geométricos nos lados.
Em seguida, alinhados em caixotes de madeira trazidos da loja estavam os cravos de várias cores ,que meu pai cuidava com conhecimento e gosto. Meio dia, ao chegar da loja ele ainda encontrava tempo para ir, de chapéu, suspensórios e manga de camisa dar uma olhadinha nos cravos: uma amarradinha aqui, uma folha estragada ali e já estava na hora do almoço. E Dona Aninna, com a macarronada na mesa, não gostava de chamar duas vezes.
Mas ela também tinha a sua preferência: eram os “Copos de Leite”, de densa folhagem verde e belíssimos envelopes brancos com uma haste amarela no interior. Havia um canteiro grande só para eles e, como veremos, tinham uma destinação sagrada. Ao lado deste canteiro estavam as palmeiras ornamentais, baixas e o “Bambu Chinês” ao qual eu tinha predileção, pela sua beleza e leveza.
Por todo lado havia plantas e flores. Dentre estas lembro de um enorme “Cróton” que não resistiu ao olhar do Padre Honorato e murchou. Todas as flores bonitas que ele via dizia: “-Mande para a minha igreja”. E as pessoas receavam que elas murchassem.
Havia ainda “Sorriso de Helena”, “Violetas”, o “Hibisco” ou “Graxa de Soldado”, as “Palma de Santa Rita” -também destinada a rituais sagrados- as “Hortênsias”, as “Margaridas”, os “Gerânios”, as “Samambaias”, os “Alfinetes” ou “Aspargo Ornamental”, a “Sete Léguas”, trepadeira de flores cor rosa-claro, abundante na região, as “Avencas”, que requeriam especial cuidado, os “Antúrios”, o “Amor-Agarradinho”, a “Begônia Imperial” e as plebéias, o “Caládio”, a “Boa Noite”, pequeninas e prolíferas, o “Coléu”, as “Dálias”, e as delicadas “Angélicas”.
Para molhar este mundo multicolor havia um grande tonel revestido internamente de cimento, onde era colocada a água trazida do açude pelos “camaradas”, como eram chamados os aguadeiros. Para maior comodidade foi construída uma cisterna no quintal de baixo. A água era salobra mas servia para molhar as plantas. Com a chegada da água encanada e a construção de tanques elevados usávamos a mangueira, que tinha um esguicho regulável na ponta. Tínhamos aprendido que nunca se molhava planta com o sol quente. No final da tarde, para cada tipo de planta dávamos o esguicho apropriado. Quando era uma planta delicada a água saia como uma nuvem úmida e os raios de sol brincavam de arco-íris nas suas gotículas flutuantes. Nestes momentos mágicos, se das folhagens surgissem gnomos e duendes, nossa imaginação absorveria isso como um fato comum.
Mas as flores nativas não eram desprezadas. Os lindos cachos de flores amarelas do “Canjuão” eram usados nas “corbeilles” que enfeitavam os eventos profanos no Clube Social União das Classes, quando, por exemplo, Aurora Sarno e outras senhorinhas locais organizaram desfiles de trajes típicos italianos, vindos de Salvador por empréstimo da família Galeffi.
A decoração era feita pelas mãos de senhoras e senhorinhas de Poções - Maria Teresa Schettini, Ida Benedictis, Josepina Sarno, Anna Maria Sangiovanni, Araci Schettini, Mavione Fagundes, Zina Paradela, Celeste Pinto, Laurita Amaral e mais uma quantidade imensa de voluntárias zelosas.
Os andores do Divino, de N.S. de Fátima, de Santo Antonio, São José , São Geraldo e São Roque, eram carregadas nos ombros de cidadãos católicos como João Lago, Fernando Schettini, Irineu Sarno, Valentim Sarno, Corinto Sarno, Américo Libonati e outros, devotamente vestidos de impecáveis paletós de linho branco.
(1)Valentim Sarno, Corinto Sarno e Américo Libonati- Geraldo Sarno com o turíbulo.
(2) João Lago e Fernando Schettini
De todas as flores só uma minha mãe não gostava. Era o “Cravo de Defunto”, de tons escuros e violáceos. Era até compreensível, pelo presságio que trazia no nome. Mas, como bom jardineiro, meu pai não tinha preconceito nem superstição e a incluía entre as suas protegidas.
E toda semana a velha Marcolina, de rosto enrugado pela idade, passava lá em casa para um dedo de prosa, tomar um cafezinho, ganhar alguns mantimentos e retalhos de pano, com os quais fazia as suas flores artesanais. Eram flores bonitinhas, bem feitas, mas, para nós, acostumados a conviver com a exuberância da natureza, ali mesmo na nossa casa, nada poderia imitá-la.
(1) Usava-se uma bucha com areia bem fina, que era encontrada perto de um poço antes do açude velho. Servia tanto para as panelas de alumínio como de barro. Dizia-se “ariar”.
Eduardo Sarno
Setembro.98
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