29 maio 2009

Casa Confiança



O livro “Casa Confiança” , de autoria de Carlos e Carmine Marotta, avô e neto, edição bilíngüe, em lançamento na Itália e no Brasil, parte de um relato extenso , escrito por Carlos Marotta (avô) a pedido do então governador da Bahia, Antonio Lomanto Júnior.
Marotta e Lomanto, originários de Trecchina, pequena cidade da Basilicata, tiveram suas vidas ligadas a Jequié, cidade do interior da Bahia, no Brasil.
Convidado por Marotta, neto, para editar a versão em português, tive a oportunidade de travar conhecimento com este relato simples, coloquial, despretensioso, mas denso de informações e certamente um dos raros testemunhos diretos de um aspecto pouco conhecido da imigração italiana no Brasil : a integração das famílias italianas com a comunidade brasileira.
A bibliografia da imigração italiana no Brasil contempla, de maneira quase absoluta, a vinda de grandes contingentes de camponeses do norte da Itália para trabalhar nas lavouras do sul do Brasil, a formação de cidades no sul, a partir de núcleos de colonos, a presença italiana em bairros das grandes cidades, principalmente São Paulo e o sucesso que tiveram alguns imigrantes, tornando-se capitães da indústria ou do comércio.
Mas a atuação dos imigrantes que vieram do sul da Itália e se radicaram nas regiões Nordeste e Norte do Brasil é pouco estudada e conhecida. Estes imigrantes, basicamente famílias e rapazes solteiros vieram sempre para ter o próprio negócio, seja na capital ou no interior. Mesmo os que vieram tardiamente para núcleos agrícolas, por iniciativa do Governo do Estado, no caso da Bahia, receberam seus lotes agrícolas e logo depois estavam estabelecidos por conta própria. No interior eram, com raras exceções, comerciantes e/ou fazendeiros.
Estes traços característicos da Bahia também se repetiram no resto do Nordeste, com exceção dos núcleos agrícolas.
O relato detalhado e de grande conteúdo histórico de Marotta não retrata uma ocorrência isolada. Onde quer que estivessem, seja em Jequié, Poções, Jaguaquara, Itiruçú ou Lauro de Freitas, os italianos atuavam como um pólo de progresso e desenvolvimento. Eles tinham consciência que vieram para ficar, e a idéia chave era que só poderiam crescer se a comunidade local também o fizesse. E para isso era fundamental que a cultura italiana, de que eram portadores, ajudasse este Brasil do interior , de fins do século XIX e início do século XXI.
O progresso era traduzido não apenas nos seus aspectos técnicos, como a fotografia, o rádio, o cinema, a luz elétrica, o carro, a higiene, a medicina, o plantio e consumo de verduras e frutas, etc. mas também nos seus aspectos ideológicos: a libertação dos escravos, em 1888 e a Proclamação da República em 1889 foram saudadas com festas públicas pelos italianos em Jequié. A Casa Confiança providenciou fogos de artifício e distribuição de aguardente para o povo. A ação pastoral da Igreja Católica recebia uma atenção especial, quando se providenciava padres para as comemorações das datas festivas. E nos anos do fascismo, longe da terra natal, imbuídos de um grande patriotismo alguns se deixaram embalar pelas promessas de uma Itália Grande. Em contrapartida, medidas importantes como a seguridade social, na época em implantação na Itália, já eram prenunciadas pelos italianos na Bahia. Um deles chegou a receber o diploma de Segurado nº 1, por ter-se antecipado em fazer os recolhimentos do Inps no cartório !
O desenvolvimento era marcado de um lado pela participação nos aspectos administrativos gerais da cidade, como a escola, a cadeia, o correio, o transporte, onde os italianos sempre participaram e colaboraram.
O outro lado, a administração específica das suas casas comerciais salta em evidencia no relato de Marotta : a assistência ao cliente era completa. Dava-se crédito ao morador da roça, eram fornecidas ferramentas, equipamentos, assistência técnica através de sementes e informações de plantio e mercado. A visão administrativa-comercial que tinham era das mais avançadas, pois o entendimento era que toda a comunidade tinha que possuir riqueza e na circulação desta riqueza a casa comercial teria então o seu lucro. Os sócios – Niella, Rotondano, Grisi e Marotta - visitavam os clientes nas suas plantações, faziam um levantamento das suas necessidades, transferiam para eles os conhecimentos técnicos e os instrumentos necessários para a produção. Na fase final intermediavam a venda da produção, adquiriam o excedente nas feiras semanais e no computo geral todos ganhavam.
Era assim a Casa Confiança e muitas outras casas comerciais que pertenciam a italianos. O relato de Marotta é envolvente, emocionante e se nos trás de volta a um passado cheio de personagens e acontecimentos também nos leva a uma análise comparativa do que é administrar hoje, quais os laços que unem ( ou desunem) comerciante e cliente, qual o significado da confiança naquela época e o que foi feito dela neste nosso mundo de garantias e avalistas.
Com este livro vamos aprender que a história nunca é tão somente uma narrativa, mas sempre uma lição de vida.
(Para adquirir um exemplar entre em contato com edusarno@graunalivros.com.br )


Eduardo Sarno
Fevereiro / 2004

5 comentários:

  1. Me pergunto: qual a característica da imigração italiana para o nordeste que fez com que os resultados da "colonização" viessem a ser tão diferentes da que ocorreu no sudeste/sul? Por que não cultivamos tantos hábitos dos que chegaram, como festejar à mesa por horas e horas, falar o italiano etc etc...?
    Será o fato de ter ido mais gente para o sul que para o NE? O fato de o sul ter abrigado mais colônias agrícolas --muitas vezes mais isoladas--, enquanto nosso pessoal veio com intenção de se integrar mais ao comércio e à cultura locais?
    Ou é tudo igual dappertutto e eu estou falando bobagem?

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    1. Anônimo26.5.22

      No Nordeste a maioria da populacao sao emigrantes africanos, portugueses e indios. Os italianos sao minoria absoluta, logicamente fica muito dificil guardar tradicoes quando sua esposa gosta de fazer cozido, feijao, farinha, para o marido e seus filhos. No nordeste as tradicoes diluem-se em uma geracao.

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  2. Eduardo Sarno30.5.09

    Diz o ditado que uma andorinha só não faz o verão, e diz o principio que a quantidade muda a qualidade: árvore/floresta; gota d'água/oceano.Do ponto de vista sociológico é semelhante. A presença italiana no Nordeste foi dispersa, com raras concentrações como em Jequié, Poções, Itiruçú, Jaguaquara, Lauro de Freitas.Nestes casos as tradições se mantiveram mais em uma condição intra-familiar do que em um sentido social mais amplo.Outro aspecto que pesou foi o que vc coloca: a intenção de se integrar com a comunidade local. Em Poções teve familias, como a de Paladino, por exemplo, que procuravam clara e assumidamente adotar os costumes locais.

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  3. Elisa5.6.09

    Rick,
    acho que tem um poudo das características pessoais dos que chegaram aqui,mais flexibilidade e capacidade de adaptação, eu vivi isto muito de perto, lá em casa tudo era possivel em relação aos costumes locais, comer comida brasileira por exemplo, mas na casa de Tio Giovanni não, tinha tudo que ser à moda italiana.... tanto é que foi difícil para Sola se adaptar com as comidas quando foi morar em Salvador,
    Me lembro também que algumas coisas não eram muito bem aceitas na comunidade poçoense, assim a gente nem queria repetir para não ficar diferente, a exemplo, tomar sopa no almoço, levar pão com bife para o lanche da escola (panini), eu comia escondido ou nem levava.
    Me lembro que seu avô dizia, se estamos no Brasil, então temos que viver como no Brasil!!!!
    afinal, quem teve a coragem de sair de Mormano, atravessar o oceano voluntariamente, deixando para trás trabalho e família, tem que ter muito desprendimento e adaptabilidade enfim uma cabeça aberta com a de seu avÔ!!!

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  4. Caro Eduardo Sarno, este modelo de imigração italiana que ocorreu previamente às levas que trouxeram mão de obra para substituir os escravos tem uma relação mais forte com o Reino das Duas Sicílias.
    D. Pedro I casou-se com Leopoldina( princesa austríaca filha de Maria Teresa Carolina Josefina de Bourbon-Duas Sicílias) e D. Pedro II casou-se com Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias.
    Na Basilicata, destacava-se a profissão de caldeireiro, muitos migraram para Portugal e alguns para o Brasil.
    Giuseppe Pignataro, caldeireiro do sul da Itália, depois de ter vindo para o Brasil aportuguesou o próprio nome para José Pinheiro da Silva.
    Seu filho João Pinheiro da Silva e seu neto Israel Pinheiro da Silva foram governadores de Minas Gerais.

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