Do outro lado estava “Bocage” e sua turma: Prexada, Respiço, Buate e Zezim Bocão. Eram chamados moleques, viviam nos arredores da cidade, eram pobres.
Nosso chefe era Ruy Espinheira Filho, por apelido “Abate” e a guerra tinha regras precisas. Os chefes dos dois grupos parlamentavam e decidiam o dia, a hora e o local da batalha.
Então os preparativos começavam. As “balas” para os badoques eram feitas de barro e depois assadas. A quantidade necessária era tanta que havia uma “indústria de guerra”, em que eu, Carlos Sarno e Gey Espinheira, os mais novos, fabricávamos balas para vender.
Eram encomendadas as “capangas”, bolsas de pano à tiracolo, para colocar as balas. Nossas mães costuravam as capangas com muito gosto, mal sabendo para que fins bélicos elas serviriam. Preparava-se os badoques com ganchos de velame (1) bem aprumado,borracha nova bem amarrada, e sempre um a mais, de reserva. O nome “badoque”, que transitou do grego ao árabe, na verdade significou primeiro uma noz e depois a bolinha de barro que era atirada, primitivamente com a besta.
Os preparativos e as barricadas eram feitas nos fundos da casa de Abate, pois esse tinha sido o local escolhido. Ali passava, no verão, um fio de água vindo do açude que, após um poço misterioso, ia dar nos fundos do Prédio Escolar Alexandre Porfírio.
O dia marcado se aproximava e a tensão aumentava. Já não se podia sair sozinho à rua, com receio de uma provocação. E tudo era feito em sigilo, nenhum adulto desconfiava.
No dia e hora combinado lá estava cada grupo no seu lado. Os irmãos Lopes, Kíume e Wesley, no inicio da batalha sempre tinham um plano, uma cilada. Saíam os dois e só reapareciam com a luta terminada, inventando e contando as mil dificuldades que tiveram para colocar em prática a cilada, que nunca dava certo.
Luizito havia levado consigo uma sobra de fogos de São João e resolveu, naquela hora de tensão inicial, com todos a postos, soltar um foguete, que subiu assobiando.
Ainda estávamos surpresos quando Luizito, no mais puro gesto cinematográfico levantou-se, brandiu o braço em direção ao inimigo e gritou: "Atacar !". Imediatamente ele recebeu uma saraivada de balas inimigas e teve de se abrigar. A luta começara.
E por que não seriam os artistas Bocage e sua turma? Só hoje, tarde demais, me pergunto isso.
As guerras acabaram quando uma bala perdida quebrou a vidraça e acertou o Juiz de Direito da Comarca, o Dr. Eurico Alves Boaventura, dentro do Fórum. Sob o império da lei, recolheram todos os badoques do Município. Era proibido badocar. Para alegria dos pássaros, vidraças e Juizes de Direito.
Não sei ao certo quando levantaram a proibição . Só sei que desde então, até hoje, não badocamos mais.
“- Para com isso, “ meninos endiabrados ! ”
Eduardo Sarno
(1) Planta da família das euforbiáceas
(1) Planta da família das euforbiáceas
Uma bela história, inspira mesmo uma cena de cinema.
ResponderExcluirSó perdoe a ignorância, mas para mim que não sou botânico nem nada, a nota das euforbiáceas ajudou pouco...
Abraço e vida longa ao blog!
Eduardo, foi com alegria que recebi, por Yarinha, o cartão para vir ao blog. Dei uma geral, e me interessei muito, espero voltar aos poucos e completar a leitura.
ResponderExcluirPor enquanto umas cositas sobre "meus" italianos, se servirem à sua pesquisa...
Minha avó Carmena Paternostro nasceu em 23-01-1892 em Trecchina filha de Giuseppe Paternostro nascido em 5-nov-1865 em Mormano e de Maria Sangiovanni nascida em 6-abr-1870 em Trecchina. Meu bisavô logo se fez José (tenho a placa de uma roça que ele teve aqui no Cabula: "Vila Norma de José Paternostro). Provavelmente chegou ao Brasil em 1895 e teria mandado buscar Maria com os filhos Carmena e João (Giovanni) em 1897.
Há cerca de cinco anos meu primo Bernardo foi a Trecchina e tirou algumas certidões de nascimento. Minha avó Carmena era "Carmela Eugenia Sangiovanni Paternostro".
Minha ida agora à Trecchina me fez mais admirar este querido bisavô (a quem não conheci, morreu em 1940). Deve ter saído a pé de lá...
Maria, sou da família Paternostro. Preciso urgentemente falar contigo.
ExcluirOi, Maria, tudo bem ? fale comigo pelo edusarno@gmail.com abs
ExcluirOi, Eduardo! Sou Maria, filha de Pedro Espinheira...não me recordo se já fomos apresentados em alguma ocasião...
ResponderExcluirEstava bisbilhotando algo sobre a origem da família no google e achei seu blog. Não o conhecia, mas agora vou acessá-lo com frequência...adorei tudo, principalmente as fotos antigas. Só não vi nenhuma referência ao nome de minha avó...
Parabéns pela bela pesquisa...não deve ser fácil garimpar essas informações!
Abraços...
Adorei essa história!
ResponderExcluirUma delícia de ler.
Eduardo, querido, que delícia a guerra narrada por você!
ResponderExcluirTendo a concordar com sua reflexão sobre os artistas... E como o tom da crônica é tão cinematográfico, lembrei de um filme lindo, A Guerra dos Botões, que foi refilmado há pouco. Vi a versão original.
O que achei mais interessante é que vim parar no seu blog por ter lido um comentário seu em outro blog - O Purgatório.
Um grande abraço
Lígia